O CDS vai regressar ao Parlamento após 10 de março alavancado numa coligação pré-eleitoral que fechou com o PSD na passada quinta-feira e que garante, no mínimo, dois deputados e, no máximo, quatro aos democratas-cristãos. Tal como o NOVO tinha já noticiado, Luís Montenegro estava apostado em apresentar ao país uma coligação alargada que recuperasse o espírito da AD formada em 1979 por Francisco Sá Carneiro (PSD), CDS (Freitas do Amaral), Gonçalo Ribeiro Telles (PPM) e os reformadores (ala direita do PS) e vai avançar mesmo com uma coligação com o CDS e independentes ligados ao centro-esquerda que terá o nome de… Aliança Democrática (AD).
Há várias semanas que os líderes do PSD e do CDS andavam a negociar a coligação e Nuno Melo chegou a colocar a fasquia nos quatro mandatos elegíveis, mas, para já, leva dois lugares com eleição garantida e outros dois com “forte probabilidade”. A juntar aos dois partidos, a coligação conta com nomes que em tempos estiveram em governos PS – como Daniel Bessa – e que assinaram um manifesto de apoio a um governo liderado pelo PSD.
Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, assume que, em termos aritméticos, a coligação será “benéfica” para as eleições legislativas, uma vez que evita o desperdício de votos que impediu tanto o PSD como o CDS de elegerem deputados em alguns círculos nas últimas eleições, como foi o caso de Portalegre.
Mas o tom dominante em todas as declarações das direções dos dois partidos passa pelo “valor simbólico” que a nova AD traz ao país ao invocar a memória da coligação formada por Francisco Sá Carneiro, a única até hoje que conseguiu uma maioria absoluta para a direita (Cavaco Silva conseguiu-o sozinho). E apesar de o cenário da maioria absoluta ser um dos menos previstos pelos analistas, o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, não deixou de dizer esta semana que o PSD vai tentar “com o seu projeto” obter essa mesma maioria, mas que governará num executivo minoritário se for esse o resultado. Que é como quem diz: se for preciso o apoio do Chega para uma maioria absoluta, o PSD “não fará acordos” com André Ventura e preferirá um governo minoritário.
Para já, o PSD não pedirá uma maioria absoluta e insistirá em apelar ao voto útil na coligação para que o país possa ter uma governação diferente e iniciar um novo ciclo. “Se querem mudança, têm de votar na coligação” vai ser uma das frases da campanha. Mas com o aproximar da data das eleições, a fasquia pode subir e o apelo a uma maioria absoluta (incluindo um acordo com a Iniciativa Liberal) pode começar a surgir e Hugo Soares já começou a ensaiar a narrativa – ainda cautelosa.
O anúncio da coligação entre PSD, CDS e independentes surgiu logo depois de André Ventura ter assumido numa entrevista que poderia apresentar uma moção de rejeição ao programa de governo do PSD caso este ganhe as eleições e o partido não integre a solução, uma pressão que o líder do Chega tem vindo a fazer e vai manter durante a campanha eleitoral. Pedro Passos Coelho acabou também esta semana por colocar mais achas na fogueira ao dizer que o PSD deve alargar os entendimentos à direita, declarações que foram de imediato aproveitadas por André Ventura, mas também por toda a esquerda que acenou com o “papão” de o Chega poder chegar a um governo. Mas, na São Caetano à Lapa, a estratégia está traçada: tentar ignorar ao máximo o Chega e as pressões de André Ventura e só falar se for para dizer que, com a ameaça de uma moção de rejeição, o Chega abre a porta a um governo de esquerda. E tentar isolar ao máximo o partido de Ventura, missão que a direção do PSD pensa ficar mais fácil com a coligação PSD/CDS (sendo certo que as sondagens têm dado um Chega a subir).
Nas últimas eleições legislativas, o CDS perdeu a representação parlamentar, vendo algum eleitorado fugir para o Chega. Com a nova AD, os dois partidos pretendem que os democratas-cristãos sejam mais visíveis durante a campanha eleitoral para conseguirem recuperar uma parte desse eleitorado ao Chega. Por outro lado, o PSD tenta recuperar eleitorado ao centro e indecisos.
“A coligação entre PSD e CDS pode ser a tábua de salvação e pode trazer o voto útil para os dois partidos. O CDS vai buscar os votos mais à direita, e o PSD ao eleitorado moderado”, explica ao NOVO o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e politólogo Paulo Otero. Em termos matemáticos, juntos, PSD e CDS sempre conseguiram mais votos que o PS, uma fórmula que os dois partidos esperam se repita em março de 2024, com a mais-valia, entendem, de repetirem, como admite o vice-presidente do PSD Paulo Rangel, “uma fórmula que no passado funcionou bem”, ou seja, a AD de Sá Carneiro.
Acordo de médio prazo
O acordo de coligação fechado entre PSD e CDS/PP não visa apenas as próximas legislativas. A AD estende-se para as regionais nos Açores, para as europeias de junho de 2024 e, também, para as autárquicas de 2025. “Este projeto é muito importante para mudar o país”, diz o dirigente democrata-cristão Paulo Núncio, que será uma das figuras do CDS a estarem agora na linha da frente na campanha eleitoral, bem como Nuno Melo ou Cecília Meireles e Adolfo Mesquita Nunes, um dos notáveis que o presidente do CDS recuperou recentemente e que levou a uma reunião de quadros para dar ao país – e ao PSD – um sinal de vitalidade.
A nova AD já tem uma base programática, mas ainda terá de ser ratificada pelos respetivos conselhos nacionais dos dois partidos, que só deverão reunir-se em janeiro de 2024. E as listas de deputados só terão de ser entregues no dia 29 de janeiro.
Mas tanto PSD como CDS já anunciaram algumas das que vão ser as suas prioridades: crescimento económico, agenda reformista, consciência social e mais e melhores serviços públicos, aposta na Educação e Saúde e uma governação ética. Montenegro já apresentou medidas para a descida do IRS, para a subida do complemento solidário para idosos e, recentemente, veio prometer novo aumento do salário mínimo nacional. Tanto o histórico social-democrata Guilherme Silva como a politóloga Paula do Espírito Santo concordam que o PSD só marcará a sua diferença face ao PS se “apresentar um programa eleitoral ambicioso” e que a conquista do eleitorado ao centro vai depender “do que oferecer”.
A questão Chega
O Chega será um dos grandes temas da campanha. A esquerda vai tentar colar PSD e CDS ao partido de André Ventura, o PSD vai continuar a dizer não a possíveis acordos e Ventura vai continuar a pressionar Luís Montenegro. Cada um tentará concretizar a estratégia que mais lhe convém para captar eleitorado.
Mas o “não” ou o “nunca” de Montenegro ao Chega não é um posicionamento unânime no PSD. Há quem defenda, como é o caso de Guilherme Silva, que o presidente do partido não devia, à partida, fechar a porta de todo a André Ventura, admitindo “acordos pontuais de incidência parlamentar”, se vier a ser necessário. O histórico do PSD Ângelo Correia até diz ao NOVO que “seria mais fácil fazer uma aliança com o Chega do que com a Iniciativa Liberal” em termos de cedências.

Artigo que saiu na edição do passado sábado, 23 de dezembro no semanário NOVO