Depois de ter lançado jüradamor em 2022 e rés.tu em 2023, jüra lançou este ano sortaminha, o seu primeiro longa duração. À conversa com o NOVO, falou sobre o percurso musical, a importância que o Chapitô teve quando começou a dar os primeiros passos na escrita e de como a procura pelo amor próprio e o próprio amor pode, afinal de contas, ser a cura para tudo.
Quem é a jüra, para quem não te conhece?
A jüra sou eu e é grande parte de mim, se não o meu todo. É o nome que surgiu e que eu amo, que retrata todas as minhas formas de expressão. Sinto mesmo que sou eu. Nunca penso na jüra como outra pessoa.
Não há, portanto, grandes diferenças entre a jüra e a Joana Silva?
Não. A única diferença é que, sei lá, no cartão de cidadão está escrito Joana Silva e nos outros sítios todos podem chamar-me jüra que vou sempre prometer a verdade e o amor.
Sempre gostaste de escrever. Como é que a escrita entrou na tua vida?
Sempre adorei fazer composições quando era mais pequena, mas nunca fui assim tão fã de escrever. Não tinha consciência do meu gosto pela escrita. Tinha sempre diários, adorava escrever diários e houve uma altura em que andava sempre com cadernos, onde fazia vários apontamentos e escrevia coisas que ouvia. Foi quando tinha 15 ou 16 anos, no Chapitô, que comecei a escrever a pensar mais num guião, a pensar nas emoções e como posso descrevê-las. Foi aí que percebi que conseguia descarregar muita coisa na escrita.
É uma forma de lidares com o que vai acontecendo no dia a dia?
Completamente. Porque descobri também com isso que conheço muito mais quando escrevo as coisas e as canto e as escrevo, parece que percebo o que está a acontecer, mas não percebo a sua totalidade. Quando as escrevo e leio, consigo ter a noção de tudo o que se passa comigo e isso ajuda me imenso.
Como foi dar esse passo entre a escrita e a música?
Acho que foi tudo ao mesmo tempo. Eu já cantava antes de saber que amava escrever. Sempre amei cantar e expressar-me através da melodia. E quando vieram as palavras, aliadas a essa minha paixão pela melodia, foi tudo muito fácil e juntaram-se.
Falaste muito, nos teus dois primeiros EP, sobre descobrir ou recuperar a tua autoestima ou o sentido de amor próprio, principalmente na voltar para mim. Como tem sido esse processo?
Muito bom! Sinto que estou num lugar super fixe agora. Como diz uma canção do meu novo álbum [sortaminha], sempre gastei muito tempo a aprender a viver. Eu gosto de perceber quem é que sou, que mundo é este e isso fez com que alinhasse as minhas vontades, tanto para o mundo como para mim, e tratar-me bem passou a ser uma prioridade. Descobri muita coisa, lá está, na escrita que depois me curou e me ajudou a chegar a este lugar de plenitude.
Este sortaminha acaba por ser o culminar desse processo… Nota-se muito na coração e na ficocomigo. Portanto, tem corrido bem?
Sim!, porque agora o sortaminha vem também com uma nova fase, que veio ensinar-me que o amor é um lugar bonito e não está sempre acompanhado de dor. Eu achava mesmo que o amor estava sempre com a dor do que o amor traz. E não é verdade! Neste momento estou a viver a vida e uma relação amorosa de uma maneira super leve, livre e bonita… E tenho a certeza de que eu aprender a gostar de mim e a cuidar de mim fez o caminho até aqui para poder também viver isto dessa maneira, sem nunca me largar a mão.
Sentes que teres-te escolhido levou ao amor que encontraste ou foi este amor que te ajudou neste processo?
Não, acho que foi ter-me escolhido que ajudou, porque também me dá uma noção muito maior do que quero para mim e tu saberes o que queres exclui logo não sei quantas hipóteses e faz-te pensar mais e focar mais no que realmente importa. A verdade é que, assim que me escolhi a mim, lá está, a vida deu-me esse presente que é um amor bonito.
O momento que mostras na despedida do álbum, naquele outro que também está em vídeo, é a tua forma de ver e viver o amor?
Sim! Sabes que esse outro foi gravado no tempo em que estivemos a fazer o álbum e é mesmo bonito, porque às vezes nem acredito que isto é a minha vida! Amo estar aqui, amo fazer isto e sinto que é mesmo natural em mim. Mas às vezes parece que consigo sair de mim própria e pensar como é que isto é a minha vida? Como é que estou aqui com estas pessoas todas que eu amo? Acabámos de fazer músicas que eu amo e é uma alegria! Quero muito retribuir isso. É sempre muito importante para mim tanto cuidar de mim como cuidar dos outros que estão comigo nisto. Essa música é o agradecimento por eles estarem comigo.
A coração é a primeira canção do álbum e lembrei-me, ao ouvi-la do filme Million Dollar Baby, um diálogo entre o Clint Eastwood e a Hilary Swank, que é “What is the rule? Always protect myself”. Não sei se foi deliberado, se foi nisso que te inspiraste, mas já aprendeste a proteger-te e ao teu coração?
Sempre! Isso foi o que mudou a minha vida. Eu ver-me como prioridade, aprender-me também para saber lidar comigo, porque nós nem sempre sabemos lidar connosco, na verdade, e nem nos conhecemos assim tão bem. Ter isso como prioridade de escolher-me e de cuidar de mim faz com que possa cuidar muito melhor dos outros. Acho que foi a coisa mais bonita que aprendi até agora na vida.
Era importante que fosse a primeira música?
Sim, porque é para relembrar que, ainda que esteja a viver um amor incrível, ainda que a vida esteja num lugar maravilhoso, não podemos esquecer-nos de que temos que cuidar sempre de nós, porque não sabemos o que vai acontecer e vamos estar sempre connosco e isso é a única certeza que eu tenho.
Nota-se que fazes da tua música um processo muito pessoal, muito profundo e íntimo, até. Gostas de falar, de escrever e cantar sobre amor?
Sim! Adoro escrever e falar sobre isso. Acho que, na verdade, é só sobre isso que eu falo, estás a ver? Mesmo quando reflito sobre este caminho que é autodescoberta é sobre amor, porque descobrir-nos é cuidarmo-nos e cuidarmo-nos é amarmo-nos. Sinceramente, acho que vai ser sempre assim. Acho que vou ser sempre muito emocional e muito ligada ao amor.
Qual é a principal mensagem que queres transmitir, não só com este álbum, mas com a tua música?
Inspirar as pessoas a que gostem delas próprias, que se nutram e que não desistam nunca do que querem, do que quiserem fazer, seja o que isso for. Que acreditem, porque acreditar dá resultados e cuidarmos de nós, lá está, faz-nos conseguir viver melhor aqui.
Como é o teu processo de criação? Desde as letras à parte musical?
Gosto de fazer tudo no mesmo dia, juntamente com o produtor, não é? Gosto de dar muita liberdade ao produtor. Claro que guio-o por onde quero ir ou não. Acho que sei sempre mais o que não quero do que o que quero. Gosto de descobrir coisas e que me tragam também estímulos sonoros, que me alimentem o que nasce… E depois é ouvir-me. Ouço-me e, de repente, as palavras começam a vir, a melodia começa a surgir, é tudo muito natural e forma-se uma canção. Gosto sempre de escrever o máximo. Acho que são raras as canções que não escrevo logo todas na mesma sessão, porque sinto que amanhã posso sentir o que estou a sentir de maneira diferente e é muito à base disso: receber o estímulo da sonoridade do beat, percebermos em que mood é que estamos e fazer acontecer.
Como é que esse processo de criação evoluiu desde o jüradamor até à sortaminha?
Sinto que tenho mais confiança em estúdio porque tudo o que fazemos várias vezes torna-se muito mais fácil. Sempre me senti à vontade, mas agora o conhecimento dá-me ainda mais objectividade.
Porque escreves em caixa baixa e tudo junto?
(risos) Comecei a escrever assim no Chapitô, que foi muito importante para mim em termos artísticos, porque me deu mesmo a força toda para ser livre e expressar-me como eu quiser. Ver a arte mesmo como um lugar infinito. Comecei simplesmente a escrever como falo. Comecei a gostar disso, continuei a fazê-lo. Já fazia canções, mas nem sequer pensava numa carreira artística nas canções. Achava que ia fazer circo para a vida toda. Mas gostei muito de o fazer, porque sinto também que, quando juntamos palavras, criamos conceitos, estás a ver? Apaixonei-me por isso e, para mim, já é mesmo normal. Até me esqueço que isso é uma cena diferente.
Quando lês as coisas mais antigas que escreveste, ficas a pensar “Epá, eu escrevo mesmo bem”?
Sim. Sinceramente, sim. Porque, lá está, eu surpreendo-me, sabes? Como isto é tão ligado ao meu lado emocional e, sei lá, às profundezas do que sinto, há vezes em que digo coisas e frases em que fico fico a pensar “Como é que tu sentes isto assim? Como é que tu tens esta profundidade em ti?” Fico muito orgulhosa e é bonito também poder olhar para trás e sentir esse orgulho.
És uma pessoa muito impaciente e queres lançar tudo o mais rapidamente possível. Continuas a ser assim? Este álbum foi lançado sem anúncio…
É verdade! O camp deste álbum foi em setembro do ano passado, Não deixei quase tempo nenhum até lançar… Essa minha falta de paciência para guardar canções vem desta minha necessidade de partilhar muito a verdade do momento. Parece que tenho aquela ansiedade de pensar se lanço isto só daqui a um ano ou dois, não sei como vou estar. Se calhar essa fase já passou e já não quero relembrá-la.. Gosto de viver e vivenciar a música que faço no período em que a sinto.
Já te aconteceu escrever uma coisa e, algum tempo mais tarde, revisitá-la e pensar que hoje não escreverias assim?
Nunca me aconteceu isso, mas já me aconteceu, por exemplo, não querer cantar mais ou não querer ligar-me mais aquela música por representar o que representa, que é tudo verdade. Isso acontece às vezes, não querer cantá-la mais ou cantá-la menos, porque já não já não queria viver aquilo.
Com o sortaminha não seguiste a mesma estratégia do juradamor, em que foste lançando um tema por semana. O que mudou em ti?
Sinto que estamos numa era em que se faz muito teasing, estás a ver? Houve projetos em que fui anunciando, anunciando, anunciando… E, como consumidora, sou aquela que que ver já! Não me digas que vais lançar, lança, que eu quero ver já, se não fico ansiosa. Ou então passa tanto tempo que depois esqueço-me que vais lançar. Queria mesmo surpreender as pessoas. Esta onda de amor, tranquilidade e felicidade mesmo sincera arrebatou-me assim de repente, por isso fazia todo o sentido que este sortaminha também fosse de repente para toda a gente.
Tens muita coisa neste álbum: hip-hop, R&B, alguma eletrónica… O que ouves no dia a dia e quais são as tuas influências?
Eu oiço muita música para descobrir coisas novas. Não sou aquela pessoa que fica focada no artista e que ouve bué… Não oiço assim tanta música porque, como faço música, às vezes gosto de estar só no silêncio e ouvir os pássaros, os carros, as pessoas… Mas tenho como grande referência, a maior referência que tenho para mim é a Erykah Badu. Acho que só a conheci para aí em 2017. Até aí não tinha um ídolo e, quando a conheci e percebi a profundidade que ela tem como artista, identifiquei-me muito com isso. Acho que ela é assim a maior influência que tenho.
Convidaste o L Ali e o Real Guns para cantar contigo. Como surgiram estes convites?
O L Ali é a musa do meu álbum. Este amor bonito que estou a viver também fez muito parte da produção do álbum. É curioso porque já o tinha convidado para estar presente nessa semana em que escrevemos o álbum e ainda nem sequer tínhamos nada romântico a acontecer. Ele tinha que estar no meu álbum, aqui e em todo o lado. Quero levá-lo para todo o lado! E o Real Guns já vinha de um desejo meu de fazer um feat com ele há muito tempo. Gosto muito da música dele, ouvia muito e achei que fazia todo o sentido neste álbum. Fiz o som, mostrei-lhe, ele entrou logo, gravou e tinha que o trazer para comemorarmos isto juntos.
Este álbum surgiu de um camp de cinco dias, como falámos há bocado, com L Ali, o DØR, o Ned Flager e o miguele. Como foi esse processo de criação durante esses cinco dias?
Foi mágico! Tendo este campo como referência, acho que até perigoso, porque não se partiu um prato, estás a ver? Não havia horários, não houve confusões, ninguém se chateou. Estás a ver aquelas coisas mínimas, tipo “Mano, podias ter posto aquilo ali”? Toda a gente falou num tom tipo absolutamente relaxado. Acordávamos, tomávamos o pequeno-almoço, alguém ia para o PC, começavam a fazer um projeto, eu ouvia e começava a cantarolar… Ia dar um mergulho na piscina, voltava e dizia “Olha, ‘bora gravar isto, tenho uma ideia”. E continuávamos. Foi tudo muito natural, todos tivemos muita liberdade e criou-se ali uma aura mesmo bonita. Acho que foi por isso que surgiram tantas músicas de lá e que se vêem agora e se mantêm.
Tinhas alguma expectativa? Saiu tudo como querias?
Tinha a expectativa de fazer sons. Vários. Muitos! Eu gosto de criar e sou rápida a criar e a escrever. Gosto de mergulhar e aproveitar esses tempos que tenho com eles. Não sou uma pessoa que gosta de escrever em casa, por exemplo. Gosto de escrever quando posso gravar e quando posso fazer daquilo uma canção. Por isso tinha muita expectativa de aproveitar muito tempo e foi o que aconteceu. Aproveitei esse tempo todo, fizemos tipo dez malhas lá e o álbum tem 15, estás a ver? Fui muito feliz e fiquei surpreendida com o resultado. Se eu acreditava que podíamos fazer uma cena incrível? Sim, mas superou as minhas expectativas, porque é tudo o que eu sonhei, sabes? Às vezes parece que o que sonhamos não é assim tão fácil de concretizar e que é mais fácil ficarmos desiludidos. Surpreendeu-me e é tudo o que eu queria.
Mais tarde apareceram o Luar, o João Maia Ferreira e o Beir. Fala-nos do que eles trouxeram ao disco…
Foram três sessões, uma com cada um… Foi a primeira vez que trabalhei com cada um deles e saíram esses sons. Acho que é interessante também por ser o nosso primeiro contacto e termos logo uma canção para eternizar. Já os conhecia, já tínhamos falado, nunca tínhamos efetivamente tido a oportunidade de trabalhar juntos e deu-se, depois do camp… Como senti muito que, emocionalmente, as canções ainda estavam muito dentro deste assunto e desta reflexão do amor e do que sou eu neste amor, fez-me sentido inclui-las.
O que retiraste, para ti e para a tua música, de teres trabalhado com todas estas pessoas?
Acho que os inputs que dão são sempre muito importantes, assim como nas outras canções. Acho que , em tudo o que faço, os intervenientes são pessoas sempre muito importantes e por isso trazem-me o que eles são. Isso é perfeito, porque se junta e criamos coisas juntos.
Tens apresentado o teu álbum nos últimos meses. Estiveste nos prémios Play, concerto em nome próprio no Capitólio, tens feito semanas académicas… Como tens sentido que o público tem recebido este trabalho?
Muito bem! Estava um bocadinho reticente… Não reticente em lançar, porque quero ser sempre livre, lançar o que crio e a minha realidade, sem pensar em mais nada, a não ser o que estou a sentir, mas surpreendi-me, porque as pessoas continuam a ligar muito ao que digo, às palavras e ao que é esta coisa de aprender a viver aqui e aprendermo-nos a nós próprios. Mas este concerto vem também com um lado que faz as pessoas mexer e elas têm mexido muito e saltado muito! Gosto muito também desta nova onda de gig, em que tudo é muito mais enérgico, sabes? Tipo, sinto que dantes era muito mais intimista e para refletir e agora é mesmo para soltar o que temos em nós.
Atuaste há dois anos no Coreto do NOS Alive e este ano foi no WTF Clubbing, que é um palco maior. É um caminho que vais fazendo, andando…
Exatamente, a subir as escadinhas até chegarmos ao grandão! (risos)
Este caminho tem sido fruto do reconhecimento do teu trabalho. Ainda te consideras uma promessa da música portuguesa ou achas que já encontraste o teu espaço, a tua sonoridade e o teu público?
Eu acho que sim! Acho que já tenho o meu lugar, que as pessoas já me vão conhecendo… Claro que há muita gente para descobrir-me e eu para descobrir muita gente, mas sinto que já existo, que as pessoas já sabem que existo e que consegui ter esta coisa consistente em mim e na minha arte.
Também tens formação em dança… Como é que preparas os teus espetáculos ao vivo?
Gosto sempre de trazer um bocadinho da minha expressão corporal, é muito importante para mim e ligo muito à forma como me expresso melodicamente. Sinto que é muito uma uma junção e que o meu corpo fala da mesma maneira que canto, estás a ver? Sinto que estas escadinhas existem e os palcos são cada vez maiores, é mais reconhecimento e isso vai dar-me a possibilidade de fazer cada vez mais coisas. Quero aliar estas áreas, o circo, a dança e a música cada vez mais, para que possa fazer dos meus concertos um espetáculo brilhante.