Há uns dias saiu um artigo num jornal com a entrevista a um arquiteto catalão, dizendo que “andar de bicicleta não é moda, mas uma mudança cultural que está a acontecer”. Tem toda a razão. Quando se ganha a vida a traçar ciclovias, nada mais natural do que vender esta ideia. Eu acrescentaria que, mais que uma mudança cultural, é reveladora do verdadeiro “tuguismo”.

Em primeiro lugar, porque este arquiteto (como alguns dirigentes que pululam por aí) acha que as cidades portuguesas como Lisboa e Porto, com as suas colinas íngremes, servem idealmente para se andar de bicicleta para o trabalho, como se as pessoas quisessem, todas, preparar-se para os “jogos sem fronteiras”. Claro que, chegados ao trabalho suados, os outros têm de levar com o aroma de ginásio mesmo sem querer. Tudo em prol da não utilização automóvel. Sim, porque renovar e melhorar o transporte público não dá tanto a ideia de esforço ambientalista do que os milhões gastos em quilómetros de ciclovias ladeira acima.

Mas o fenómeno mais maravilhoso é o do ciclista que teima em achar que é ciclista profissional, mas apenas utiliza a bicicleta – obviamente, caríssima e toda xpto, porque é um verdadeiro “pro” – para fazer de conta que luta pelo ambiente. E nunca vai sozinho: é sempre numa horda, que toma conta da estrada, não parando nos sinais, não deixando os pedestres passar nas passadeiras, muito menos andar na calçada, porque em todo o lado, deve ser permitido andar de bicicleta, mesmo quando há sinais que o proíbem.

Não, de facto, não é uma moda: a ditadura das bicicletas chegou. Para quê utilizar a ciclovia, se podem ocupar a largura da estrada e impedir que os carros passem? Para quê obedecer aos sinais de trânsito, se vão em grande velocidade, a sentir o vento percorrer os litros de suor que se libertam do corpo?

Mas do que eu gosto mesmo, mesmo, é do típico ciclista de fim-de-semana: calção de licra apertado, aqueles sapatinhos com pitons altos, parece que andam de saltos, que se torna ridículo quando desmontam a bicicleta e andam com aquilo de perna aberta, não se sabe se é para melhorar o equilíbrio ou apenas porque as banhas que saltam dos calções já roçam uma na outra; os capacetes na cabeça enfiados, mais parece uma decoração no leitão da Bairrada, e ei-los enchendo as esplanadas com as bicicletas dependuradas para enfardar pastéis de nata, de forma a aumentar a obesidade que permite um equilíbrio ténue quando voltam às bicicletas – que, corajosas, e obviamente eléctricas, para não lhes custar tanto a pedalada, heroicamente prosseguem depois de mais de 100 kg em cima.

Há ciclistas que respeitam os sinais, o trânsito, os pedestres? Há. Mas não são muitos. Porque, cada vez mais, há a moda tuga de querer ser ecológico e ambientalista ao fim-de-semana, no entanto desrespeitando todos os outros, enquanto vociferam impropérios aos que não andam de bicicleta. Ainda bem que, dentro da sua ditadura da obrigação ambientalista, ainda vão dinamizando a economia portuguesa com a gastronomia/doçaria tradicional.

Não, não é uma moda, é a maior expressão da mudança cultural do básico tuga que se julga superior, a nata da sociedade. Valha-nos, ainda, sim, o pastel de nata, um resquício de noção no meio da febre cicloviária.