Os ventos da História parecem estar a mudar. Em meados de julho o candidato republicano Donald Trump estava em alta e parecia invencível, depois de ter esmagado um envelhecido Joe Biden no primeiro debate presidencial causando o aparente caos no Partido Democrata, e após ter sobrevivido de forma épica a uma tentativa de assassinato. Nos dias a seguir à convenção estava 4 pontos à frente do rival democrata nas sondagens nacionais, e ainda mais pontos à frente nos estados mais decisivos. Muitos disseram que a eleição estava ganha para Trump, ou, como eu, disseram que Trump tinha-se tornado mesmo um claro favorito. Mas, começando com a escolha de um candidato a vice-presidente pouco carismático, num momento de excesso de confiança, as coisas começaram a mudar.

Primeiro, Biden chegou mesmo a conclusão que tinha de se retirar da candidatura do Partido Democrata para a eleição presidencial de 5 de novembro. Ao fazê-lo apoiou imediatamente a sua vice-presidente, Kamala Harris, que nos dias seguintes consolidou rapidamente o apoio dos principais políticos democratas, dos políticos intermédios e das bases também. Depois, sem rivais a surgirem, Harris tornou-se consensualmente e oficialmente a candidata democrata à presidência no início de agosto. Poucos dias a seguir escolheu o governador do Minnesota, Tim Walz, como seu parceiro no ticket presidencial. É um homem de 60 anos, branco, dum estado do Midwest, o Minnesota, parecido com alguns dos que serão mais decisivos para ganhar a eleição, o trio Wisconsin, Michigan e a Pensilvânia. É um antigo professor de Estudos Sociais de nível secundário, treinador de futebol americano, tanto que ganhou a alcunha de treinador Walz, e também veterano do exército. Com a sua personalidade alegre, simpática, a experiência executiva, e progressismo moderado tanto na economia como nos temas sociais, faz um ótimo contraste com o candidato a vice-presidente republicano, JD Vance, caraterizado por um grande conservadorismo social e tiradas bizarras e zangadas sobre vários grupos sociais, como mulheres sem filhos donas de gatos. Justamente, foi Walz quem começou a chamar Vance e Trump de weird, esquisitos, uma linha de ataque que tem resultado bem. Enquanto Walz tem tido bons números de favorabilidade nas sondagens, Vance tem tido dos piores para um candidato à vice-presidente.

Mas embora ajudem, e sobretudo possam prejudicar, os candidatos a vice-presidente fazem relativamente pouca diferença eleitoral. Importante é como os eleitores veem os candidatos principais. Desde que levou um tiro na orelha, Trump melhorou em quatro pontos a sua taxa de favorabilidade entre os americanos, para os melhores valores do seu pós-presidência, com 8,2 pontos percentuais negativos, segundo a média de várias sondagens, calculada pelo website 538. Mas, por outro lado, Harris, que era extremamente impopular enquanto vice-presidente, tanto ou mais que Biden, melhorou muito rapidamente os seus números, de valores a rondar os 17 pontos negativos no início de julho para 5,3 negativos a 10 de agosto. Nada de incrível aconteceu na América para Harris tornar-se assim tão mais popular, nem Biden melhorou da mesma forma. O que aconteceu, foi uma vaga de entusiasmo por Harris, tanto online, como nas bases do partido, entre democratas mais à esquerda, e mais moderados, jovens ou mais velhos, minorias étnicas ou brancos. Um entusiasmo que Walz tem ajudado a manter forte, e Trump e a sua campanha, desorientados com esta mudança de rival, não têm conseguido fazer frente.

Aliás, na previsão do famoso forecaster Nate Silver, Harris mais do que duplicou a probabilidade dos democratas manterem a Casa Branca, de 26,9% no último dia de Biden para 53,6%, a 10 de agosto, tornando-se a favorita não só para ganhar o voto popular, como o próprio Colégio Eleitoral, a instituição que de facto decide o vencedor. A tendência nas sondagens tem sido de subida, subida, subida para Harris, tanto a nível nacional como nos estados oscilantes que decidem a eleição. A vice-presidente subiu tanto nos estados do Midwest mais decisivos para ganhar a eleição, como nos da chamada Sunbelt, estados do sudeste ao sudoeste, sobretudo o Nevada, Arizona, Geórgia e Carolina do Norte, abrindo-lhe novos mapas vencedores.

A eleição continua incrivelmente renhida é claro, os americanos mantêm-se preocupados com o estado da economia, que está a abrandar, a inflação, o crime e a imigração ilegal, três indicadores que têm melhorado, mas que muitos americanos acham que têm sido mal gerida pela administração Biden. É verdade que surpreendentemente parecem não estar a culpar tanto Harris como culpam Biden. Por isso, Trump e a sua equipa devem concentrar os seus ataques no que consideram o pior dos anos Biden, assim como as posições mais associadas a algum radicalismo de esquerda que Harris tomou em momentos da sua carreira, sobretudo em 2019 e 2020. No entanto Trump parece estar perdido. Lança-se em ataques bizarros à identidade racial de Harris e eleva teorias da conspiração sobre a substituição de Biden por Harris. Sem Biden como rival, a vontade de vingança de Trump apagou-se, e o tom unitário que teve por uns dias depois de ser alvejado, já desapareceu.

Trump percebe que precisa de bons momentos para virar a corrida em seu favor, por isso já aceitou fazer três debates com Kamala Harris a partir de 10 de setembro. Harris não é nenhuma génia da retórica, mas a energia e acutilância que tem mostrado em campanha, assim como a viragem ao centro na retórica, fazem-na muito mais competitiva do que Biden. Falta-lhe agora criar uma lista de políticas oficiais e dar mais entrevistas aos media, dado que tem sido muito cautelosa nesses aspetos. Continuando com esta energia, tem boas hipóteses de impedir o regresso de Donald Trump à Casa Branca.

Os ventos da história parecem estar a mudar. A narrativa e o feito histórico da primeira mulher, negra e indiano-americana a tornar-se presidente parece começar a ganhar mais força do que a do irreverente Trump ser o primeiro presidente a recuperar a Casa Branca nos últimos 125 anos. Os ventos da História estão em rápida e turbulenta mudança, mas a previsão para 5 de novembro, que neste momento parece ser de 50-50, ainda é muito incerta.