O projeto político da AD venceu. Com maiores ou menores percalços e leituras, nada se altera quando diz respeito a identidade reformadora do projeto apresentado aos portugueses e para Portugal. E esse foi validado ontem numas das eleições mais participadas de sempre das últimas décadas. E isso em si é já uma vitória, no ano em que celebramos 50 anos da nossa democracia.

No entanto, as eleições também nos trouxeram uma afirmação do movimento de rebelião de eleitores, que encontrou no Chega o veículo perfeito para amplificar um sinal de descontentamento contra a atual situação do país. O facto não pode ser ignorado e está profundamente ligado não apenas à crise de confiança dos portugueses nas instituições, não apenas pela catadupa de casos mediáticos que marcaram a última governação de António Costa, mas pelas falhas que persistiram no que diz respeito à resolução de problemas estruturais na Habitação, na Saúde, na Segurança , na Educação, e na completa ausência de estratégia de país em termos de políticas públicas que incentivem maior coesão social , e maior palco para que os portugueses possa progredir nas suas vidas e fazerem por eles próprios para subir na vida e aumentar a sua realização.

O voto de revolta é agora visível, e abriu feridas que devem ser tidas em consideração pelo novo governo da Aliança Democrática. Esse será o grande propósito do novo primeiro-ministro. O de mostrar que o centro-direita consegue reformar o país, construindo um novo contrato social, um que retire o sentimento de asfixia económica, fiscal e societária, que devolva o país aos portugueses e que lhes garanta:

1) Um país com propósito, que cria oportunidades económicas e as partilha com os portugueses, dando espaço para todos poderem materializar oportunidades de forma transparente, de se realizarem e progredirem com qualidade de vida;

2) Uma relação tributária justa em que os impostos que os cidadãos pagam garantem valor real em termos da qualidade dos serviços públicos, e que não seja necessário recorrer ao privado para ter acesso ao ensino, ou à saúde;

3) Um país claro como água, em que as instituições e o regime democrático sejam percecionadas efetivamente para o serviço dos portugueses, e não de interesses corporativos e partidários.

O governo da Aliança Democrática deve promover também uma reforma cultural da ética republicana. É preciso ser exigente com as más práticas dos políticos, sem dúvida. Mas é também preciso terminar com a utilização abusiva da separação de poderes que permite que tudo venha à praça pública, e iniba cada vez mais cidadãos de querer participar na democracia, vulgarizando e menorizando quem nela está para servir e não para se servir – e que são uma larga maioria de cidadãos.

Por fim, e também deve ser agente da mudança de mentalidades na forma como os partidos do centro político se relacionam. É preciso reduzir a polarização política vigente, que apenas beneficia o sentimento de desconfiança relativamente aos partidos europeístas e moderados, que são os que no final do dia, mais têm feito para que hoje, Portugal seja um país moderno e melhor para viver do que antes de 1974. E devemos começar por criar uma ética parlamentar e de relação partidária, que separe os partidos do centro político, dos restantes. Uma que dê um sinal sólido de maturidade numa altura em que Portugal atinge os 50 anos de democracia. E existem à cabeça, duas frentes que devem e podem ser de enorme relevância para futuro, e que quer Partido Social Democrata, quer o Partido Socialista devem conseguir encontrar espaço para reformar.

A primeira é a constatação de que a dispersão de representação parlamentar é hoje muito mais complexa, porque existem mais partidos. Doravante será sempre mais difícil encontrar total coesão nas soluções governativas. E por isso não podemos estar permanentemente em eleições, ou em situação de bloqueio parlamentar. Ou seja, é preciso que o centro político seja responsável e deixe governar quem venceu.

E isto leva à segunda frente. É preciso criar estabilidade legislativa. O país não pode estar a tentar adivinhar se um governo dura seis meses, um ano ou com sorte, dois. Os governos devem poder fazer o seu mandato completo por regra, mesmo que não tenham maioria parlamentar. Apenas os partidos moderados – que representam cerca de 63% dos votos entre AD, PS e IL – podem assegurar este pacto de regime.

Afinal, Portugal não pode, 50 anos depois, andar para trás e deixar-se condicionar e voltar aos tempos quentes do PREC (Período Revolucionário em Curso) que marcou o final da década de 70. Sob pena de termos uma real crise de regime sem solução e capturado pela agenda de curto prazo dos partidos, ao invés do interesse maior de Portugal, e dos portugueses.