Lembro-me de ser adolescente e as minhas avós serem velhinhas. Não eram pessoas doentes, inativas ou dependentes – bem pelo contrário, chegaram a conseguir passar as suas histórias, lições e cozinhados a bisnetos, o que diz muito da sua capacidade. E diga-se que nenhuma delas seria enrolada ou aterrorizada nem sequer pelo senhor da mercearia. Mas eram pessoas idosas, nos seus ainda nem 60 anos, que afortunadamente excederam todas em três décadas, com saúde e qualidade de vida.

Hoje, quase metade da população portuguesa tem mais de 50 anos e dificilmente lhes chamaríamos velhos – até por uma questão de decência para com aqueles de quem esperamos no mínimo mais 16 anos de trabalho obrigatório. Aos 70, muitos deles estão até a refazer as suas vidas e a planear o futuro, com uma naturalidade muito saudável. E mesmo os que já estão reformados frequentemente escolhem continuar a trabalhar, nem que seja para ter um rendimento extra, porque não se conformam com um futuro miserável numa vida que se tem prolongado em anos mas se tem degradado em qualidade.

Não é só o minguar do rendimento garantido pela Previdência – as previsões apontam que quem se reforme em 2050 tenha apenas garantidos 40% do seu último salário para viver. Se a esperança de vida após os 65 está já em 20 anos, infelizmente, Portugal é dos países em que essas pessoas têm menos anos de existência independente e com saúde: apenas cinco, quando chega a isso.

Não se ouve porém uma palavra aos decisores sobre como pode a comunidade melhorar essas estatísticas, não apenas por dever social mas até para aproveitar recursos válidos e experientes numa sociedade com défice de pessoas para cumprir as necessidades, num país esmagado pela sangria da emigração jovem.

A mais grave crise demográfica que atravessamos é enfrentada com um enorme vazio. Não há ideias, não há planeamento, não há políticas públicas capazes, nem sequer há discursos que vão além das parangonas sobre creches gratuitas que só existem no papel e no plano das intenções. É a espuma dos dias a afogar-nos o futuro.

A rotunda falha pela inexistência não está só nas medidas que poderiam inverter a curva dos nascimentos em Portugal – ainda que os efeitos de um competente programa de incentivo à natalidade levasse pelo menos duas gerações a ter efeitos. Num país que todos os anos perde 40% dos seus novos licenciados – o volume de saídas só tem paralelo em países que vivem guerras civis ou graves crises humanitárias –, em que falta mão-de-obra capacitada em praticamente todos os sectores de atividade e pensamento capaz sobre grandes e pequenas questões que podiam melhorar Portugal, despreza-se um terço dos portugueses, como se fossem mentecaptos sem ligação à realidade. Considera-se que estão velhos ou são incapazes e só são referidos em discursos tão paternalistas quanto patéticos sobre pensionistas, teimando-se em não ver o que está à nossa frente.

Nos países mais bem sucedidos – não apenas na Europa, por exemplo no Japão –, as sociedades estão abertas a todos, contam com todo o seu valor para contribuir e trazer resultados que melhoram a vida de todos. Não se trata de castigar ou obrigar quem já fez tanto a fazer ainda mais. Mas apenas de não assumir uma incapacidade que não é (mas pode tornar-se) real, de os puxar para o centro da atividade, de modernizar as práticas que aprenderam enquanto se põe o conhecimento que acumularam ao serviço das novas gerações, de criar complementaridades indispensáveis a empresas, a comunidades que se querem vivas, felizes e ativas.

Numa época em que tanto se fala de discriminação, pratica-se, sem complexo nem agravo, a pior de todas: o ageism. O envelhecimento de Portugal vai continuar e a ritmo acelerado. Se não virarmos o olhar para o que pode melhorar a qualidade de vida dos nossos mais velhos – os que o são e os que vão sê-lo em breve –, vamos acordar num país de velhinhos diminuídos, dependentes e muito pesados sobre os ombros dos poucos mais novos. Investir em saúde mais do que em tratar a doença, pensar o envelhecimento ativo, criar complementaridades e aproveitar o potencial que temos por inteiro é o único caminho que pode adiar o risco de extinção que enfrentamos enquanto país.

Mas sobre um terço dos portugueses, o que se ouviu até agora dos candidatos legislativos? Pouco mais do que a palermice da superavó da Mortágua.

Diretora