Celebramos o reconhecimento do contrato de trabalho do estafeta da Uber Eats pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa como um avanço positivo na proteção dos direitos dos trabalhadores. Mas é obrigatório também analisar criticamente as medidas que procuram combater a precariedade laboral, como o recente ataque da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) de notificar as empresas para, sub-repticiamente, converterem relações de prestação de serviços em relações laborais. Esta medida não pode assentar exclusivamente no critério da dependência económica, detetado por um algoritmo, com recurso ao cruzamento de dados com a Segurança Social, com todas as falhas e perigos que isso acarreta. Nem a ACT se pode reger por critérios economicistas, transformando-se em “ponta-de-lança” do Ministério das Finanças.
A ideia de combater os falsos recibos verdes é louvável e necessária. A começar pelo pior Patrão que existe: o Estado. No entanto, a abordagem da ACT, que parece querer fazer operar a presunção de laboralidade sem considerar devidamente as circunstâncias individuais de cada caso, é problemática. A presunção de laboralidade não pode ser aplicada de forma indiscriminada, sem ter em conta a realidade complexa das relações laborais modernas.
É fundamental reconhecer que existem trabalhadores independentes genuínos, que escolhem esse modelo por sua própria e livre vontade, desfrutando da flexibilidade e autonomia que ele oferece. Forçar estes profissionais a enquadrarem-se em contratos de trabalho tradicionais pode limitar a sua liberdade e oportunidades de trabalho.
Além disso, a aplicação excessivamente rigorosa de medidas de combate à precariedade laboral é prejudicial para as empresas, especialmente as pequenas e médias empresas. Impor uma carga adicional de burocracia e custos laborais pode sobrecarregar essas empresas, comprometendo a sua capacidade de operar, criar emprego e competir no mercado. Em última análise, isso pode levar ao encerramento de negócios e empresas, o que é contraproducente para a economia como um todo.
É necessário um equilíbrio sensato entre a proteção dos direitos dos trabalhadores e a viabilidade económica das empresas. Enquanto combatemos os abusos e a precariedade laboral, devemos fazê-lo com discernimento, levando em consideração as diferentes realidades e necessidades, tanto dos trabalhadores quanto das empresas.
Em vez de adotar uma abordagem punitiva, ameaçadora e unilateral, é essencial promover a sensibilização e o diálogo construtivo entre todas as partes interessadas, incluindo trabalhadores, empresas, sindicatos e autoridades reguladoras. Somente através da colaboração e do entendimento mútuo podemos encontrar soluções eficazes e equilibradas que protejam os direitos dos trabalhadores, sem prejudicar desnecessariamente a atividade económica.
É crucial que a ACT não se furte ao procedimento legalmente exigido para notificar as empresas e apurar, caso a caso, se há ou não falsos recibos verdes. Só porque não tem meios, não são justificáveis os fins.
Reconhecemos a importância de combater os falsos recibos verdes e garantir condições laborais justas para todos; mas instamos as autoridades a exercerem as suas funções com bom senso e equidistância entre os operadores: não vale tudo!
Advogado especialista em Direito do Trabalho