O teatro que os socialistas montaram nesta semana – com a narrativa preparada para trazer sem destoar na ponta da língua pelo ainda primeiro-ministro e pelo candidato às legislativas pelo PS – à volta do caso dos CTT daria um belo episódio digno da melhor série de conspiração nos centros de poder, não fosse tão tragicamente triste. E cada vez mais comum num país cujos oito últimos anos de governos têm sido marcados por casos e escândalos sucessivos, representativos de faltas de vergonha e de limites para todos os (des)gostos.

Mais de um dia depois de o JE revelar o caso das ações compradas pela Parpública, cumprindo ordens do governo socialista, disse-nos o líder do governo demissionário que não escondeu nada, só não contou. E afirmou o ex-titular da pasta que tutelava os CTT e candidato a substituí-lo ao leme do governo que afinal sabia e até concordava com a compra de ações, que tudo foi feito a pensar no povo torturado pela empresa privada (ele, que nem sabe o valor do salário mínimo nacional, rendimento de mais de um em cada cinco portugueses) e que quem devia estar na berlinda era… pasme-se, Passos Coelho.

Esqueceu-se Pedro Nuno Santos que foram os seus colegas de partido e de governo, liderado então por José Sócrates, que assinaram o acordo com a troika, que obrigava a vender os CTT e a abrir o sector à liberalização ditada pelas regras da concorrência europeia. Não se lembrou de contar que existe um serviço postal universal a que a empresa está obrigada por contrato com o Estado – e já agora como negociou os termos do mesmo, ele que tutelava a pasta das Comunicações quando o dito contrato foi firmado, em fevereiro de 2022 (em vigor até 2028). Omitiu ainda o incómodo assunto de ter sido o seu próprio governo a decidir, ainda em 2021, que o contrato de concessão seria celebrado sem concurso ou sequer consulta pública, decidindo o governo antes por um ajuste direto.

Quanto a António Costa, veio garantir que nada escondeu, só não disse nada… E o que omitiu, sem esconder, fê-lo tendo em mente os melhores interesses dos contribuintes portugueses – a quem caberia financiar um negócio que só poderia visar uma de duas finalidades. A primeira seria agradar aos amigos da extrema-esquerda, de forma a convencê-los a deixar passar o Orçamento do Estado para 2022 – o que não conseguiram, acabando o governo por cair. A segunda: igualar a participação do à data maior acionista dos CTT (cerca de 13%), Manuel Champalimaud, para poder controlar as decisões de uma empresa privada.

Qual foi, em toda esta negociata, o papel assumido por BE e PCP, mais visível ou mais obscuro, em conversas de vão de escada parlamentar, ainda está por saber. Até ver, ambos juram que de nada sabiam e que nada negociaram. Mas também Costa e Pedro Nuno o disseram…

Que o governo socialista agora demissionário – e então ainda contando com o novo secretário-geral do PS nas suas fileiras – não tenha conseguido ir além dos 0,24% só atesta a reiterada e comprovada incompetência de mandantes e mandatados para cumprir a missão (numa manobra básica de gestão). E apesar de invocarem segredo para proteger o negócio (ainda que tivessem, pelas regras de mercado então em vigor, de informar a CMVM quando atingissem uma fatia de 2% e posteriormente de 5%), também não foram capazes de impedir que o preço das ações dos Correios fosse imediatamente inflacionado. Com os títulos a subir dos 4,38 para os 4,66 euros logo no primeiro mês, a operação de controlo acabou por ser inviabilizada, dado o preço-limite estabelecido pelas Finanças para comprar sem comprometer as contas públicas. Basta ver que, sem este limite, o controlo da fatia sonhada por Costa e Pedro Nuno custaria mais de 80 milhões de euros aos contribuintes.

É mais um caso no cadastro de um governo de má memória.

Diretora