O Supremo Tribunal do Colorado deliberou sobre a inadmissibilidade da presença de Donald Trump nos boletins de voto do Estado. Sob a égide da 14.ª Emenda, concluiu que, face ao apoio manifestado pelo ex-presidente à insurreição e à invasão do Capitólio, não ostenta elegibilidade para a presidência. A decisão não é definitiva e agora a contenda será dirimida no Supremo Tribunal Federal, incumbido de avaliar a sua fundamentação legal. Este desfecho poderá resultar na sua exclusão nos 50 estados ou, inversamente, na sua revogação.

A 14.ª Emenda foi concebida na sequência da guerra civil americana e visava impedir que confederados acedessem a cargos no governo federal.

Esta é uma decisão polémica e entre os juristas não há consenso. Iniciativas semelhantes foram intentadas noutros estados, mas sem sucesso. Por outro lado, na ausência de uma condenação judicial pela participação ou apoio de Trump à insurreição do Capitólio, esta deliberação adquire contornos ainda mais polémicos. Alguns sustentam que a 14.ª Emenda não é aplicável a presidentes, razão por que foi rejeitada no Michigan.

A resolução foi proferida mediante uma votação de 4-3, num Supremo Tribunal estadual integralmente constituído por juízes nomeados por governadores do Partido Democrata, agravando as críticas provenientes dos republicanos. Não obstante a maioria conservadora de 6-3 no Supremo Tribunal Federal, proeminentes constitucionalistas conservadores advogam que o apoio de Trump à revolta de 6 de janeiro – um facto aparentemente indiscutível – implicará a sua inaptidão para o exercício de cargos públicos. Tal cenário transformaria o atual ciclo eleitoral numa trama ainda mais caótica e imprevisível.

Independentemente da posição futura do Supremo Federal, a campanha de Trump não hesitou em capitalizar esta deliberação, apresentando-a como “mais uma prova” de que os democratas procuram derrubá-lo administrativamente, recorrendo à estratégia de vitimização que tem sido comum em todos os processos judiciais em que tem sido envolvido. Mesmo os seus opositores nas primárias, incluindo o crítico mais acérrimo, Chris Christie, afirmaram que o ex-presidente deve ser derrotado nas urnas e não nos tribunais. Este constitui o argumento preponderante para a crença de que este caso será revertido. A decisão parece revestir-se de uma natureza mais política do que judicial.

A previsibilidade e estabilidade da democracia americana está em causa, com Trump a desafiar a ordem democrática e a estabelecer recordes negativos. Sendo o primeiro presidente da era moderna a não aceitar os resultados eleitorais, foi também o único a enfrentar acusações criminais e, agora, o primeiro a ser excluído do boletim de voto, ainda que temporariamente. Nunca tínhamos assistido um presidente a considerar que a eleição foi “roubada”.

Mesmo em eleições muito disputadas, como em 1960 entre Nixon e Kennedy ou em 2000 entre Bush e Gore, os derrotados aceitaram sempre os resultados e felicitaram os vencedores. Contudo, tudo se alterou com Trump e os acontecimentos dos últimos meses exacerbaram este clima político. A perspetiva de Trump participar nas primárias – e possivelmente nas eleições gerais de Novembro próximo – faz de 2024 um ano perigoso para a estabilidade da democracia americana. O ano político inicia-se já a 15 de janeiro, com os caucuses do Iowa e o julgamento civil de Donald Trump em Nova Iorque, no mesmo dia. E assim será nos primeiros meses, com o ex-presidente a dividir o seu tempo entre tribunais em vários estados e a campanha presidencial.

Conseguirá Trump ir a votos? Será o nomeado? Irá derrotar Joe Biden? Tudo são incertezas num ano eleitoral que será, sem dúvida, imprevisível, apaixonante, mas também perigoso para a democracia americana.

Especialista em política norte-americana