No próximo sábado, dia 2, quem precisar de ser socorrido na via verde AVC da Unidade de Saúde do Baixo Alentejo, em Beja, terá de percorrer de ambulância, pelo menos, 168 quilómetros até chegar ao hospital Garcia de Orta, em Almada, de acordo com o mapa de encerramentos atualizado pela direção executiva do Serviço Nacional de Saúde.

Este é só um exemplo. Além do caso da unidade do Baixo Alentejo, vão fechar nos próximos dias outras vias verde AVC no país, por exemplo, no hospital da Guarda, onde o serviço estará encerrado durante toda a semana; em Guimarães (unidade que não terá o serviço aberto nas noites de terça-feira e de sábado, dia 2) e em Santarém (hospital que terá a via verde AVC fechada também durante o próximo sábado, dia e noite).

Vítor Oliveira, da Sociedade Portuguesa de Neurologia, admite que, existindo equipas reduzidas, podem surgir constrangimentos e atrasos no tratamento que tem de ser “ultra-rápido”, aumentando a dimensão das sequelas. “Nos Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC) agudos, [é preciso] serem prestados cuidados o mais rapidamente possível porque por cada minuto de atraso perdem-se milhares e milhares de células. Tempo é cérebro”, afirma o neurologista em declarações ao NOVO.

Sendo situações “emergentes”, explica o neurologista, o tratamento destes doentes implica que nos hospitais haja unidades AVC vocacionadas para os “procedimentos no mais curto espaço de tempo”. Para isso, é preciso que existam equipas de urgência para as 24 horas do dia e equipamentos que não existem em todos os hospitais.

Em Beja, por exemplo, onde até existe uma área AVC para os primeiros tratamentos, não existem os equipamentos para realizar radiologia de intervenção, devendo, por isso, alguns dos doentes, ser transferidos para Faro ou para Almada (que integra um esquema rotativo de via verde AVC na Área Metropolitana de Lisboa).

Tem faltado interesse
O problema não é, portanto, novo e não se prende única e exclusivamente com a crise nas urgências que afeta várias especialidades em quase metade dos hospitais do país. Vítor Oliveira, que faz parte do colégio de Neurologia da Ordem dos Médicos, reconhece que o funcionamento das unidades de AVC “ainda não é o ideal” e nota que há até hospitais, como o de Portalegre, que nem sequer têm estes serviços. “Nunca houve um apoio estruturado, por parte do Ministério da Saúde, para estabelecer unidades de AVC, têm sido iniciativas dos médicos, sobretudo neurologistas e internistas, que têm lutado com grandes resistências e bloqueios”.

Mas a principal barreira, diagnostica o especialista, “tem sido o desinteresse”. “Não percebem a prioridade que há em tratar um AVC”, lamenta Vítor Oliveira, lembrando as vantagens de um tratamento rápido e adequado: “muitas vezes, o doente pode voltar a casa e ser autónomo.”

Por outro lado, quando os pacientes não forem tratados a tempo, além de poderem morrer, ficam com défices grandes, acamados, precisando de um cuidador. “Uma situação que pode desregular completamente a vida de uma família”, descreve.

Ligar para o 112
Havendo uma articulação entre as várias unidades AVC e a rede nacional de referenciação, Vítor Oliveira reforça o apelo que, nos últimos dias, tem sido repetido pelas várias autoridades de saúde. Em caso de suspeita de AVC, ligar para o 112 é a via mais segura e eficaz de os doentes serem atendidos no local certo e no mais curto espaço de tempo possível: “Levar o doente no carro para o hospital não adianta porque o INEM sabe exatamente qual o hospital mais próximo com unidade AVC. Não quer dizer que seja o hospital mais próximo da casa do doente, pode ser mais longe mas tem os tratamentos adequados. Não indo logo para o sítio, acaba por perder tempo.”

No ano passado, o INEM encaminhou 6.876 utentes com sinais e sintomas de AVC, através da via verde, uma média de 19 doentes por dia. Segundo os mesmos dados, a idade média dos doentes atendidos, em 2022, foi de 73 anos. Do total de casos registados o ano passado, 49.3% são do sexo feminino e 46.8% do sexo masculino.

O AVC é um défice neurológico súbito, motivado por isquemia (deficiência de irrigação sanguínea) ou hemorragia no cérebro. Continua a ser uma das principais causas de morte em Portugal, sendo também a principal causa de morbilidade e de potenciais anos de vida perdidos no conjunto das doenças cardiovasculares. Os sintomas de um AVC mais evidentes são a falta de força num braço, dificuldades em falar e boca ao lado.

Para prevenir o AVC, apelam as autoridades de saúde, devem ser adotados hábitos de vida saudáveis, evitar o tabaco e a vida sedentária e ter especial atenção a doenças como a hipertensão, diabetes ou arritmias cardíacas.
36 urgências com problemas

Além dos constrangimentos descritos em algumas vias verde AVC, as dificuldades nos vários serviços de urgência vão continuar nos próximos dias, não sendo de esperar que a situação melhore até ao final do ano. Assim, de acordo com os mapas dos encerramentos atualizados pela direção executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), até ao próximo sábado serão 36 as unidades do serviço de urgência público com encerramentos. Lisboa e Vale do Tejo (LVT) é a região mais afetada, ao totalizar 12 hospitais a enfrentar problemas; seguindo-se o Norte com 11, o Centro com sete, o Alentejo com quatro e o Algarve com dois.

Em termos globais, dos 83 pontos existentes em todo o país, 36 (43%) terão constrangimentos em algumas especialidades e 47 (57%) estarão a funcionar em pleno. A obstetrícia/ginecologia, a pediatria e a cirurgia geral continuam a ser as áreas com maiores problemas em completar escalas, o que tem acabado por pressionar os hospitais para onde estes doentes são encaminhados, como é o caso do Santa Maria, em Lisboa.

Na semana passada, o diretor do serviço de urgência do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (CHLN), de que faz parte o Santa Maria, admitiu que o hospital vive um “período extraordinariamente duro”, manifestando-se preocupado com o “efeito bola de neve” que a elevada afluência terá. “Doentes que se vão acumulando e vão ficando internados e vão sobrecarregar mais”.

“E ao mesmo tempo preocupa-me que comece o inverno e vamos ter um conjunto de outras doenças e maior carga de outras doenças. É importante que as pessoas façam as campanhas de vacinação e se protejam contra o frio”, frisou João Gouveia, em declarações aos jornalistas.

Artigo publicado originalmente na edição de 25 de novembro de 2023.