Já leva demasiado tempo de atraso, mas a recente vontade da CP de acelerar a adjudicação de um contrato de construção e fornecimento de pelo menos 117 comboios regionais, num valor superior a 870 milhões de euros, pode ser remédio ainda pior do que o problema. E o PSD não esconde a preocupação com os efeitos que apressar esta decisão pode ter, nomeadamente se os procedimentos forem abreviados e detalhes importantes descurados em nome de um calendário mais curto, deixando deslizar o rigor a que um investimento deste nível obriga.

Em causa pode estar litigância a arrastar-se nos tribunais e a necessidade de voltar ao zero e repetir concursos. Com custos avultados a todos os níveis.

“Os investimentos na ferrovia devem avançar, já esperamos há demasiado tempo”, começa por dizer ao NOVO Miguel Pinto Luz. “Sobretudo nos tempos que vivemos, com consecutivas dissoluções do Parlamento – que só têm paralelo nos tempos do PREC”, defende ainda o vice-presidente do PSD. Mas as ilegalidades que têm vindo a ser apontadas ao concurso para os novos comboios preocupam o maior partido da oposição. Sobretudo numa altura em que o governo está demissionário e o debate político será totalmente centrado numa pré-campanha eleitoral que já parece ter começado, com a contagem de espingardas para a sucessão no PS, e que se deverá arrastar ainda com este governo. Que apesar de demissionário se encontra em plenas funções, podendo por isso tomar todo o tipo de decisões.

“O momento que vivemos não ajuda a que se faça o debate necessário ao esclarecimento cabal e devido destes temas”, explica ao NOVO Miguel Pinto Luz. Que teme que se possa avançar agora para, por falta de cuidado ou se não forem tidas em conta todas as preocupações e rigor que se exige, haver depois necessidade de se rever e repetir os concursos, com atrasos e custos ainda piores.

“O PSD espera que o governo socialista esteja a garantir que as decisões tomadas estão de acordo com os preceitos legais e que estejam a ser cumpridos os procedimentos necessários na sua totalidade. Infelizmente, não temos hoje quaisquer garantias de que isso se passe na realidade”, diz ainda o vice-presidente do PSD.

Miguel Pinto Luz deixa por isso uma promessa: a de que o seu partido vai continuar “a estar muito atento” aos passos que estão a ser dados na concretização deste investimento.

Contestação já começou
Conforme o Jornal Económico (JE) noticiava, o concurso, desenhado ainda com Pedro Nuno Santos na pasta das Infraestruturas e a que João Galamba deu seguimento, poderá estar ferido na legalidade, havendo fortes suspeitas de violação das leis europeias de concorrência e igualdade de oportunidades. A razão? Os concorrentes que avançaram tiveram de comprometer-se a construir ou no mínimo montar os comboios em Portugal, com o projeto vencedor a prever, por esse motivo, a construção de uma fábrica em Matosinhos e de uma oficina em Guifões. Serão criados assim cerca de 300 postos de trabalho.

Mas não é líquido que o concurso ganho pela francesa Alstom, em parceria com a portuguesa DST, venha a concretizar o projeto – e essa é outra dificuldade antecipada no horizonte, com a litigância que ameaça deixar uma pesada fatura a quem venha a liderar um governo depois de António Costa.

É que os candidatos vencidos no concurso lançado pela CP – os suíços da Stadler e os espanhóis da CAF – reclamam da atribuição do primeiro lugar à Alstom-DST e o país pode ter pela frente um longo e dispendioso processo em tribunal.

Faria então sentido esperar para garantir que não há pontas soltas? Talvez. Mas não foi essa a opção da CP. Conforme avançou ontem ao JE, a empresa de comboios decidiu que vai avançar com a adjudicação das 117 composições (62 dos serviços urbanos e 55 de serviços regionais) ainda antes de este ano chegar ao fim.

O presidente da empresa pública de comboios assegurou mesmo que “o relatório do júri [que já inclui as contestações dos concorrentes] está a ser ultimado, sendo expectável que na próxima semana já existam resultados”.

A verdade é que essa promessa de brevidade já se arrasta há meses, tendo vindo a ser adiada precisamente pela contestação a um concurso a que nenhuma das concorrentes deixou de apresentar objeções, apontando cada uma delas falhas aos projetos das concorrentes. São levantadas não apenas questões técnicas, como o peso e a velocidade prevista das novas unidades nas linhas ferroviárias em causa, como os próprios preços apresentados.

O acionista Estado poderia travar a decisão de adjudicação da CP até ao final deste ano com uma indicação política que travasse a Comboios de Portugal, caso o governo demissionário entendesse que deveria ser o executivo que se segue a assumir as consequências de uma decisão que envolve um investimento de 819 milhões de euros e que pode motivar litigância – com avultados custos financeiros e temporais. Mas até agora não deu qualquer sinal de que esteja a preparar-se para o fazer.

Artigo publicado na edição do NOVO de dia 18 de novembro