Diz o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, em plena negociação com os profissionais, que “o funcionamento das urgências sempre foi assegurado pela disponibilidade dos médicos para fazerem um número de horas extra muito elevado”. E é verdade que a própria lei admite, em casos excecionais, que esse incremento exista, até um máximo de 150 horas por ano. Mas se os médicos sempre fizeram mais horas do que as 35 definidas – brevemente alargadas para 40 horas semanais no tempo da troika –, também é factual que nunca se fez tantas horas extra no SNS.

Os factos
Entre bancos e cirurgias, segundo o último Relatório Social do Ministério da Saúde e do SNS – publicado anualmente até 2019 e que após esse ano não regressou, como aconteceu com a avaliação aos hospitais públicos (SINAS) pela Entidade Reguladora da Saúde – cada médico fazia em média “303 horas suplementares” por ano nessa altura.

Com um total de 29 mil médicos reportados ao final de 2018, dos quais cerca de dois terços especialistas, somaram-se nesse ano já 5,7 milhões de horas extraordinárias trabalhadas por eles. O que traduz mais 1 milhão de horas relativamente às 4,8 milhões registadas como trabalho suplementar antes de António Costa chegar ao governo, havendo em 2014 um total de 25 mil médicos (em proporção semelhante de um terço de internos).

Tomando os mesmos anos, a evolução dos custos tem vindo também sempre a crescer desde 2015, quando o PS chegou ao poder, dos 167 milhões de euros despendidos pelo SNS em “trabalho suplementar” nesse ano até ao último valor de que há registo: 263 milhões de euros.

O pior ano
A verdade é que, desde que o último relatório foi publicado, em 2019, a situação piorou substancialmente. Não apenas devido à pandemia mas com a fuga de profissionais para o privado ou para fora do país – onde têm muito melhores condições remuneratórias, de evolução de carreira e de trabalho. Basta dizer que, em Portugal, um médico do SNS recebe menos de um terço do que ganha num hospital estrangeiro.

Minguados os quadros após os duríssimos tempos da pandemia – só depois de a então ministra Marta Temido lhes chamar piegas, aventando que, naquela carreira, “resiliência é tão importante como competência técnica” foi uma sangria de 400 profissionais –, a realidade dos últimos tempos tem ficado cada vez mais negra. De acordo com o Sindicato Independente dos Médicos, em 2022 os clínicos trabalharam 5,5 milhões de horas extraordinárias, tendo a maioria dos médicos neste ano já ultrapassado as 300, o dobro do limite estabelecido por lei.

Artigo publicado na edição do NOVO de dia 11 de novembro