Elementos da polícia moçambicana efetuaram esta terça-feira vários disparos de gás lacrimogéneo no centro de Maputo, durante uma manifestação em que a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, oposição) contestava os resultados eleitorais, com a presença do presidente do partido.

Várias centenas de pessoas percorreram na manhã desta terça-feira as ruas da capital no primeiro dia de manifestações nacionais agendadas pela Renamo para contestar o que diz ter sido a “megafraude” nas eleições autárquicas de 11 de outubro, com a divulgação dos resultados de apuramento intermédio dando a vitória à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder) em 64 dos 65 municípios.

Após a concentração na Praça dos Combatentes, com início às 10h00 locais (09h00 em Lisboa), militantes e populares seguiram o presidente da Renamo e o candidato do partido à autarquia de Maputo, que desde quinta-feira reclamava vitória naquele município, atribuída entretanto pelos órgãos eleitorais à Frelimo.

Cerca das 13h00 locais (12h00 em Lisboa), depois de um percurso sem incidentes com a polícia, a intenção da caravana da Renamo de entrar numa artéria vedada pelas forças policiais, próxima da Praça da Organização da Mulher Moçambicana, acabou com vários agentes da polícia a lançarem gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes; contudo, sem registo de feridos, conforme a Lusa constatou no local.

No momento da intervenção policial, o líder da Renamo, Ossufo Momade, e o candidato do partido, Venâncio Mondlane, foram obrigados a refugiar-se no interior da viatura em que seguiam.

Contactado pela Lusa, o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM) na cidade de Maputo, Leonel Muchina, explicou que aquela força tem vindo a acompanhar as marchas realizadas pelos partidos nos últimos dias para evitar que alguns participantes as usem para “invadir ou danificar infraestruturas públicas e privadas”, mas também para manter a circulação nas “ruas que são de maior fluxo de viaturas e de pessoas”.

Neste caso, explicou que, a dado momento, os integrantes da marcha da Renamo pretendiam alterar o percurso previsto e entrar na Avenida Joaquim Chissano, considerada pela polícia como via estruturante de circulação, o que levou ao uso de gás lacrimogéneo para os dispersar: “Foi uma ação normal. As pessoas depois compreenderam e voltou-se na continuidade da marcha, sem nenhum incidente.”

A ação da polícia provocou a fuga de centenas de pessoas, mas a marcha foi depois retomada, com passagem junto à Comissão Nacional de Eleições, sem mais incidentes, embora num clima tenso, com agentes da polícia fortemente armados, incluindo a força cinotécnica, a protegerem as instalações dos órgãos eleitorais.

Para Ivan Mazanga, presidente da Liga Nacional da Juventude da Renamo, que participava nesta marcha no momento da intervenção policial, a democracia moçambicana “ficou ferida”.

“A nossa liberdade de expressão ficou ferida, a Constituição da República saiu ferida, saiu a lacrimejar, com aqueles objetos contundentes que lançaram contra nós. Mas nós estamos aqui e prevaleceremos. Entre feridos e mortos, venceremos”, afirmou Ivan Mazanga, pouco depois da intervenção da polícia.

“Este é símbolo de que o regime está a cair aos pedaços e a queda do regime nunca se faz de uma única vez, cai aos pedacinhos. Então, aquele ali foi o momento mais alto da demonstração da queda do regime. Quem derrubou, quem está a derrubar este regime é a juventude aqui presente, foi o nosso voto nas urnas”, acrescentou o dirigente.

A Renamo, maior partido da oposição, reclama que venceu em várias autarquias do país, incluindo Maputo, com base na contagem paralela que realizou a partir das atas e editais das assembleias de voto, e várias organizações da sociedade civil já vieram a público apontar várias irregularidades ao processo eleitoral.

Dois tribunais distritais já decidiram mesmo recursos a favor da oposição e ordenaram a repetição das eleições nos municípios de Cuamba, província do Niassa, e em Chókwè, província de Gaza.

A deputada da Renamo Ivone Soares também estava na manifestação no momento da intervenção policial.

“O que aconteceu é que o regime está desesperado, o regime está a sentir que o poder está a fugir-lhe. A Renamo ganhou na cidade de Maputo e em tantas outras autarquias. Eles só confiam nas balas, eles só confiam nas armas, eles só confiam nos homens armados que eles têm nas forças de defesa e segurança, mas o poder é nosso e a Renamo vai governar”, disse à Lusa.

Já Jorge Macorocoro foi surpreendido pelo lançamento do gás lacrimogéneo. Ainda caiu, mas levantou-se e prosseguiu: “Não posso desistir. Acredito que a vitória é nossa, a Frelimo tem de entregar aquilo que é nosso.”

“A Renamo não foi levar os votos do povo à força, o povo, sozinho, é que decidiu é que isto tem de entregar à Renamo”, acrescentou.

A Renamo iniciou hoje manifestações “pacíficas” diárias em todo o país, convocadas pelo presidente do maior partido da oposição, Ossufo Momade, contra o que afirma ter sido a “fraude” nas eleições autárquicas de 11 de outubro.

“O que eu quero é uma manifestação nacional, não é a guerra”, disse o líder da Renamo, no domingo, após a reunião extraordinária alargada da Comissão Política Nacional da Renamo, em que o partido decidiu não reconhecer os resultados intermédios das eleições autárquicas que estão a ser anunciados pelos órgãos eleitorais.

O início destas manifestações acontece no dia em que se assinalam os 44 anos da morte de André Matade Matsangaissa (18 de março de 1950 — 17 de outubro de 1979), primeiro comandante em chefe da Renamo, então movimento armado de que foi um dos fundadores.