O fim do regime dos Residentes Não Habituais (RNH) foi recentemente anunciado pelo Primeiro-Ministro António Costa. Deixando de lado o acerto ou desacerto desta decisão, será importante, pelo menos, assegurar que a sua implementação é feita de forma justa, equilibrada e sem colocar em causa a reputação do País.
Concorde-se ou não com o regime, o enquadramento fiscal aplicável aos RNH tem vindo a manter-se de forma estável no nosso ordenamento jurídico-tributário. Aprovado há mais de uma década, sobreviveu a Governos de diferentes cores políticas, tendo, já em 2023, sido rejeitado no Parlamento um projeto de lei tendente à sua revogação. Importa também salientar, que se trata de um regime que mimetiza em parte outros regimes em vigor em jurisdições pouco suspeitas do ponto de vista fiscal, como a Inglaterra ou a Espanha, procurando atrair investimento e capital humano qualificado.
Naturalmente, os regimes de desagravamento fiscal podem ser reavaliados e revogados. Contudo, as expectativas legitimamente criadas aos contribuintes de uma estabilidade e continuidade do regime não podem ser colocadas em causa de forma irresponsável, sob pena de afetar a credibilidade do país como um todo, o que inevitavelmente trará consequências negativas na atração de investimento externo.
Na realidade, o regime dos RNH implica alterações significativas na vida pessoal de quem dele beneficia. Com efeito, trata-se de um regime que impõe que os contribuintes se tornem residentes para efeitos fiscais em Portugal. Ora, a redomiciliação para Portugal requer, em muitos casos, a alienação de património imobiliário nos países de origem, a alteração de vínculos profissionais, já para não falar de todo o processo inerente à mudança do país de residência. Para dar alguns exemplos, muitos dos beneficiários que alteram as suas residências para Portugal, para além da óbvia necessidade de necessitarem de assegurar uma residência em Portugal (através de compra ou arrendamento), precisam de alterar a sua situação profissional e patrimonial (o que implica em muitas situações a reorganização dos acordos que já tinham com as suas entidades empregadoras, a criação de novas empresas no país, a alteração da forma de pagamento das reformas), inscrever os seus filhos nas escolas (o que inviabiliza alterações no meio do ano letivo), tendo ainda, nos casos dos cidadãos de fora da União Europeia, de ficar dependentes da emissão de vistos de residência, com todas as agravantes e dificuldades adicionais que tal implica no processo.
Ou seja, o processo de alteração de residência para Portugal requer uma elevada dose de planeamento e organização, sendo, na maior parte dos casos, demorado e não compatível com uma alteração do regime sem um período de transição razoável. Concretizando: muitas das pessoas que planeiam alterar a sua residência para Portugal em 2024, prevendo beneficiar do RNH, já tomaram, ao dia de hoje, decisões pessoais, profissionais e de gestão patrimonial irreversíveis e não compatíveis com o fim do regime no início de 2024.
À semelhança de outros processos passados em que se tomaram e implementaram alterações legislativas relevantes de forma súbita, e que tão caro custaram à reputação internacional do país, a confiança que os investidores estrangeiros têm no país será irremediavelmente afetada se o regime for alterado sem um período que permita acautelar os investimentos já efetuados.
Em suma, mesmo se o RNH vier a ser efetivamente revogado ou substancialmente alterado em 2024, a alteração legislativa não pode gerar um sacrifício a todos quantos já tomaram decisões com base no regime ainda em vigor, tendo partido do pressuposto que Portugal é um país estável e amigo do investimento.
Luís Borges Rodrigues, Sócio da Área de Prática de Imobiliário da Miranda & Associados
Leonardo Marques dos Santos, Sócio da Área de Prática de Fiscal da Miranda & Associados