Adiávamos este encontro desde que Armindo Monteiro chegou à liderança da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), não por falta de vontade mas pela exigência das novas funções assumidas. “Não gosto que se diga que represento os patrões, parece uma coisa antiga, verticalizada; nós somos empresários, estamos ao lado das pessoas”, diz-me, enquanto me põe a par da intensa atividade que lhe deixa mera meia dúzia de horas para dormir e menos ainda para se dedicar à gestão das suas empresas. Essa parte não o incomoda.
Empresário e veterano do associativismo – conhecemo-nos quando eu dava os primeiros passos no jornalismo e Armindo se estreava, como presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE). Por essa altura, entre outras conquistas, já criara empresas, comprara e internacionalizara a Compta e era apontado como referência entre os empresários de futuro no país. Não lhe faltam, portanto, créditos para assumir as funções que agora lhe foram confiadas na CIP, sucedendo a um Senhor como António Saraiva, que deixou a confederação neste ano.
“Eu estava no último mandato, tinha dito que sairia com ele da CIP e até me inscrevi num doutoramento em Filosofia – sou licenciado em Gestão e com especialização em Estatística, mas sempre gostei de Letras. Mas o António Saraiva trocou-me as voltas…” Ri-se. É uma pessoa de afetos, mas sente a responsabilidade das tarefas que abraça e não poderia conjugar essa paixão com a missão à frente da CIP. Teria de fazer equipa – trouxe nomes como Miguel Frasquilho e Isabel Capeloa Gil -, mudar estatutos, garantir ainda mais relevância à instituição, mais garra no propósito. “O associativismo é uma paixão mas tem de ser feito não em nome da associação mas dos representados”, vinca, sublinhando nisso a importância de manter a palavra livre.
A assertividade que lhe tem marcado o discurso comprova a postura que advoga. É o necessário no que diz ser “ainda o país do Eça”, em que todos manjam do Estado, dos pobres aos senhores do paletó, no caldo da portaria. “Temos de mudar isto e depressa, para dar futuro às novas gerações, para garantir expectativas de melhoria geracional que os jovens hoje não conseguem ter”, vinca.
À mesa do Madeirense, a conversa voa pelos últimos anos e fixa-se no tão difícil Portugal em que vivem hoje famílias e empresas, que afugenta os jovens e é incapaz de fazer reformas de longo prazo ou criar medidas de efeito imediato capazes de responder à necessidade de transformação da economia, para se tornar mais robusta e sã, e de criar soluções rápidas para travar as tendências dramáticas que afetam o investimento, o crescimento, o Estado social, numa Europa em estagnação e com uma inflação em máximos. Ainda mais do que criticar, Armindo Monteiro lamenta as opções que levam ao síndroma do funcionário 250 – que faz das médias empresas grandes mas com isso traz um castigo fiscal – e a uma previsibilidade que se esgota em 365 dias, com o prazo do Orçamento do Estado.
O mote veio com a chegada de quem se senta umas mesas adiante: o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, e o secretário de Estado do Tesouro, Pedro Sousa Rodrigues. A parcas semanas da apresentação do novo Orçamento do Estado ao Parlamento, o tema poderá não divergir muito, mas as nuances das conversas nas duas mesas dificilmente serão próximas. Mesmo que o presidente da CIP esteja em plena negociação do Pacto Social com o governo – um conjunto de medidas em que propõe ao Executivo socialista opções mais ambiciosas e amigas dos trabalhadores e das famílias do que as defendidas por estruturas como a UGT ou a CGTP, incluindo a criação de um 15.º mês de salário, livre de impostos, aumentos que se materializam numa fasquia acima dos 4% e a adoção de alternativas que complementem a capacidade de os portugueses melhorarem as suas perspetivas de reforma, quando chegar a hora.
O entusiasmo com que Armindo Monteiro traça o retrato do que tem sido a sua vida nestes tempos e faz o diagnóstico da economia, das dificuldades das empresas e dos caminhos de saída que vê como possíveis, é bem demonstrativo do empenho que levou para a liderança da CIP. E que não é nada estranho ao seu caráter.
Um homem de convicções
Depois de alguma dificuldade na escolha entre várias opções tentadoras, decidimo-nos pela alheira e pelo caril de gambas. E Armindo conta-me como aqui chegou, enquanto nos entretemos com um prato de enchidos que chegou pela mão do anfitrião, Manuel Fernandes, por cortesia.
Recorda como viveu os primeiros anos emigrado em França e sem conhecer sequer as suas origens – o pai era “incontido verbal” e enquanto durou o antigo regime não pôde voltar a Portugal. Nascido em Paris e ainda apaixonado por essa cidade “apesar dos chauvinistas”, recorda que a primeira impressão desse Portugal, em julho de 1974 – tinha cumprido a primeira classe – foi um choque. “A televisão era a preto e branco, não havia iogurtes… era um atraso! E eu vim, com meus os pais e o irmão mais novo, para Lisboa…”
Faz um aparte significativo – sobretudo para os muitos que acreditam que Armindo se fixou no Porto: “Eu fui o primeiro lisboeta, da Mouraria, presidente de uma associação do Norte, que é tão bairrista”, orgulha-se, lembrando que tinha então já três empresas consolidadas e a ANJE estava numa fase particularmente vibrante. “Entusiasmei-me e acho que fiz um trabalho interessante. Nunca sequer morei no Porto.”
Em Lisboa foi bairrista. E depois do choque inicial adaptou-se bem, falando em português sem problemas, apesar de pensar em francês e escutar os clássicos Aznavour, Piaff, Brell, que ainda lhe marcam a vida aos 55 anos.
Quando chegou o tempo de ir para a faculdade, decidiu que queria afastar-se da capital – e do controlo paterno… -, mas não muito; e Évora foi a solução perfeita. “Era uma vida académica incrível, meti-me logo na Associação Académica, nas tunas, festas, tudo”, relata. Até lhe pediram que representasse os alunos junto da direção da Faculdade. E confessa que tanta atividade lhe dificultou a obtenção de melhores resultados até perceber que teria de se empenhar a 100% na licenciatura, terminando o curso no tempo normal e com bons resultados.
Estava ainda no último ano da faculdade quando criou a primeira empresa, uma tecnológica de aplicativos de machine learning. Criada de raiz com o irmão – “ele é craque da programação” – há 30 anos, ao fim de um ano já tinham crescido para 16 pessoas e pouco depois internacionalizavam-se, até para garantir a exigida especialização de competências.
Em 2007, compraram a Compta, que venderam em 2019, já com créditos firmes como um prémio de Inteligência Artificial ganho em São Francisco (um sistema de deteção precoce de incêndios). E depois abriram outra, e outra, alargaram áreas. O segredo do sucesso? “Sempre criámos empresas com inovação, que usassem técnicas inovadoras, equipamentos de ponta e fossem capazes de gerar valor acrescentado; que permitem fazer melhor, mais depressa, sem perda. O investimento inicial é maior, mas o empreendedorismo só funciona assim, com espírito e matéria empreendedora.”
Benfiquista e bom conversador
Acredita que se é empreendedor de forma diferente aos 20 e aos 40 e garante que fez amigos para a vida, o que em muito se deve à atitude de não perder tempo com mágoas: o que há para resolver, resolve; o que não tem solução, aceita e segue em frente. “É simples ser feliz”, diz, ainda que reconheça que é muito melhor a resolver problemas, a atarefar-se com novos projetos, do que a gerir o que já corre sobre rodas.
Talvez por isso, desde 2010, quando lançou a área de engenharia com a Leblon, pouco tempo lhe sobra para mais do que as atividades profissionais. Já jogou ténis e vai fazendo férias de neve, mas o que mais preza são boas conversas, que enriquecem e fazem descobrir destinos que nunca se visitou, traços de perfil surpreendentes e reveladores de sítios que se fica com vontade de visitar.
O Benfica é uma paixão assumida: “Sou benfiquista ferrenho”, sublinha com orgulho, quando já vamos nos cafés e o almoço se faz longo, apesar de não termos dado pelo passar das horas.
O tempo é um elemento que o faz sofrer – gostaria, digo eu, que os dias durassem o dobro, para poder dedicar-se a todas as tarefas que tem em mãos, mais até, e ainda lhe juntar rotinas que valoriza, como os minutos indispensáveis para levar as filhas à escola.
O tempo que consegue para si, preenche-o com a música e foca-se na família, a mulher e as duas filhas. “A Sofia e a Sara têm uma enorme diferença, uma já se licenciou, em Direito, com 21 anos, e a outra tem 9 anos. O que eu quero é que não precisem de homem nenhum na vida.” Confessa ainda um prazer que não dispensa: o mergulho em águas profundas, onde descobre mundos que não se vê à superfície e que o encantam em cada escapadinha que consegue fazer.