Quando os novos moradores de duas dezenas de bairros chegaram aos Paços do Concelho, pelas 15h00 desta quinta-feira, esperava-os uma receção calorosa. Numa cidade a ranger de falta de casas para acolher em condições todas as famílias que a procuram, Carlos Moedas preparava-se para entregar 23 chaves de habitações e mais duas de espaços para comércio e associações. É uma pedra de sal num oceano de carências, mas faz subir para 1305 o total de chaves entregues desde que se sentou na cadeira de presidente da Câmara de Lisboa, em outubro de 2021. Um rácio que supera duas casas por dia no mandato.

Dirão que as herdou do anterior executivo, mas essa parte da história não excede um par de dezenas. A esmagadora maioria vem de um plano elaborado em várias fases e aproveitando as velocidades de diferentes tipos de respostas disponíveis para apressar uma resposta urgente. A maioria das casas entregues, sobretudo T1 e T2, “é proveniente de obras de reabilitação de casas da câmara que estavam vagas, processo que se iniciou em 2022 e que foi possível pela celebração de um contrato-programa entre a autarquia e a Gebalis, no valor de 17 milhões de euros”, explica a autarquia, em resposta ao NOVO. Há também centenas de casas de construção nova, designadamente da obra em Entrecampos.

De acordo com os números oficiais pedidos pelo NOVO, as mais de 1300 casas entregues por Carlos Moedas entre outubro de 2021 e esta quinta-feira materializam-se em 637 no âmbito do Programa de Arrendamento Apoiado e 668 do Programa Renda Acessível. A que se somam os 734 subsídios à renda já atribuídos (a autarquia paga um terço do valor da renda, com um limite de 900 euros de renda para T1 e 1200 euros para T2), que serão reforçados com novas regras, permitindo alargar as candidaturas já em setembro.

Isso deixa Moedas feliz? “Perante a enorme crise de habitação que vivemos e depois de uma década de paralisação, há muito trabalho a fazer”, diz ao NOVO Filipa Roseta, vereadora com os pelouros da Habitação e do Desenvolvimento Local. “Não podemos adormecer ao volante.” O sentido de pressa levou a autarquia a desenvolver um plano que assume ser “ambicioso, mas realista”. E que leva o executivo autárquico a não se demorar no “pouco” que se conseguiu fazer em menos de dois anos, mas antes a concentrar esforços no monstro que tem pela frente. Com a certeza de que o objetivo nunca está cumprido. “O trabalho tem de ser feito sempre, para dar resposta aos desafios de cada momento com os instrumentos que temos em cada momento”, frisa a vereadora que também coordena a Gebalis e a Reabilitação Urbana.

Desenhar um plano abrangente, com metas e prazos bem definidos e escrutinados, financiamento adequado e soluções a várias velocidades de forma a permitir ir entregando valor desde o primeiro dia foi a prioridade do executivo liderado por Moedas. “A habitação é hoje o maior desafio em Lisboa. É na habitação que devemos concentrar os maiores esforços para cumprir três objetivos essenciais: aumentar a oferta, facilitar o acesso, e garantir uma habitação digna a todos os lisboetas”, concretizou o autarca social-democrata quando apresentou o seu plano de habitação para a cidade. “Vista a dimensão do desafio da habitação em Lisboa, era preciso construir e reabilitar mais casas, comprar mais património no mercado, além de responder a mais de 2 mil famílias lisboetas que ainda hoje não vivem em casas dignas.” Era preciso um plano mais robusto. Que se fixou em 800 milhões de euros – incluindo verbas do PRR e os apoios públicos do 1.º Direito – até 2028.

Para onde vão 800 milhões
“É importante explicar este valor, o que vai abranger e até quando.” E Moedas fê-lo: aos 478 milhões negociados com o IHRU (Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana) em 2022 – parte já em execução para construir, reabilitar e adquirir património – somaram-se mais 100 milhões dedicados a obras de melhoria nos bairros municipais e 222 milhões para construir e comprar mais casas.

“A Carta Municipal da Habitação é o documento mais ambicioso de sempre desde o Programa Especial de Realojamento (o PER, que nos anos 90 permitiu acabar com 10 mil barracas em Lisboa)”, explica ao NOVO Filipa Roseta, destacando as metas ambiciosas definidas a par dos prazos e financiamento e apontando a execução do plano a dez anos como um grande desafio, mas realista. E apoiado em três prioridades políticas: a urgência de aumentar e melhorar o parque público, a vontade de reduzir assimetrias e a necessidade de regenerar a cidade esquecida.

Ciente de que demora (e custa) muito mais construir um edifício do que reabilitar, a vereadora destaca a “onda de renovação” que a autarquia lançou nos bairros municipais como resultado do primeiro eixo. “Estamos a fazer intervenções em 13 mil casas, a maioria com parâmetros de eficiência energética associados. Isso envolve por exemplo a retirada de amianto que ainda existe em muitos edifícios e substituição de coberturas, isolamento de exteriores, vãos e revestimentos, para melhorar as condições de habitabilidade.”

Depois há a construção nova, cujos requisitos de eficiência energética, no âmbito do financiamento PRR, já responderão aos parâmetros NZEB20 (edifícios com necessidades nulas de energia). “São 3 mil edifícios com os padrões mais elevados de eficiência energética e produção própria através de painéis solares, materiais eficientes, etc.”

O segundo eixo de ação é justificado pela vereadora lisboeta com a necessidade de desenhar programas dirigidos a pessoas sem hipótese de ter acesso aos apoios à renda. “Já há mais de 700 famílias a beneficiar desta ajuda da CML – que paga um terço do valor –, mas muita gente ficava de fora, incluindo profissionais deslocados. Em setembro, vamos abrir novo concurso e mudámos o regulamento de forma a conseguir incluí-los”, concretiza Filipa Roseta.

A ideia é que professores, enfermeiros, técnicos, etc., que até agora não podiam concorrer se tivessem uma propriedade, independentemente do lugar do país onde fosse, passem a ter acesso. “Só não podem ter outra casa na Área Metropolitana de Lisboa e o apoio é imediato, sem sorteio, para T1 até 900 euros e T2 até 1200. No fundo, a resposta aqui é dada pelo mercado privado e a câmara tem um orçamento de 2,5 milhões de euros por ano para garantir um terço da renda. Ao universalizar, conseguimos chegar a muito mais gente.” E com maior rapidez e disseminação, uma vez que qualquer apartamento naquelas condições é passível de entrar, em qualquer zona da cidade.

“Se a renda acessível (cujo valor médio pago está nos 318 euros) chega a centenas de famílias, este programa tem capacidade para impactar mil num par de meses”, resume a vereadora da Habitação. Que aponta ainda um novo programa na forja, o Renda Acessível Extraordinária, dirigido a quem recebe entre 500 e 700 euros por mês – estando por isso fora do âmbito da renda apoiada, porque está acima do limite, e fora dos programas que se fixam ao salário mínimo nacional, porque está abaixo. “Num ano, tivemos 800 candidaturas e entregámos 100 casas; queremos agora renovar este concurso de forma a, sendo aprovado em reunião de câmara, ser lançado em outubro ou novembro.”

Potencial excede 9 mil casas
Por fim, há o tema da “regeneração da cidade esquecida”, que se explica com a produção de solo urbano em sítios da cidade ainda não utilizados ou abandonados. “Há, por exemplo, no Beato, terrenos totalmente municipais, com capacidade habitacional, mas cuja utilização prevê antes a construção de acessos, de iluminação e outras infraestruturas necessárias para se fazer lotes. Há ali potencial para 7 mil habitações.” Este é o eixo mais demorado, reconhece Filipa Roseta – “a CML tinha 2 mil casas para reabilitar e terrenos por urbanizar, o que leva muito mais tempo, são até cinco anos para se poder avançar com a construção” –, mas mesmo por isso é preciso começar o quanto antes, de forma que se possa lançar o projeto de arquitetura em 2025.

Feitas as contas a todo o potencial que a câmara quer dinamizar nos próximos anos, a ambição é de monta: são mais de 9 mil casas que podem ser acrescentadas à oferta atual, tirando partido do património municipal. “Estamos a pôr todo o potencial a andar, a ritmos diferentes”, conclui Filipa Roseta. “Já entregámos mais de 1300 chaves e assegurámos financiamento à Gebalis; temos edifícios em lotes já prontos a começar a obra para podermos dar mais casas em 2025 e a seguir virão as dos terrenos onde é preciso ainda fazer o loteamento. No total, são 9 mil casas em dez anos, seguindo um cronograma realista, com custos e prazos concretos e adaptados à realidade. O maior risco agora é mesmo os empreiteiros não responderem, mas não tem acontecido”, assegura.

Há ainda mais uma dinâmica em que a autarquia se tem empenhado, que passa pelas cooperativas e pelas concessões que estão a nascer nos bairros de Benfica e Parque das Nações. O primeiro eixo passa por juntar até 20 famílias para construir um edifício, em terrenos da câmara e com projeto já aprovado, pagando a construção e ficando com a casa por 90 anos. “O preço da construção está a 2 mil euros por m2, que é metade do que se comprasse casa já feita, por isso compensa”, diz a vereadora.

O segundo materializa-se em grandes projetos lançados por promotores que também têm essas garantias da câmara e constroem arrendamento acessível. Os projetos de construção para 688 casas em Benfica até 2028 e 235 nos Olivais serão lançados até ao fim do ano. “Contamos fazer 3 mil apartamentos com dinheiro público e o resto dos 7 mil com essas parcerias.”

Também até ao fim deste ano serão lançados dois projetos de arquitetura para habitações em regime de cooperativa, à semelhança dos que arrancaram no Lumiar (18 habitações), em Arroios (15) e em Campolide (12).

Artigo originalmente publicado na edição do NOVO de 29 de julho