Na próxima sexta-feira, dia 13, celebra 30 anos de carreira no Coliseu. A escolha da sala tem algum significado?
Quando era mais novo sonhava fazer um show no Coliseu. Vim viver para Portugal com 17 anos, e aí conheci o Coliseu. E, como não via muitos espectáculos de africanos, dizia sempre que quando fizesse um show meu cá em Portugal seria no Coliseu. Em 2009, já fiz o Coliseu e, desta vez, como estou na comemoração dos 30 anos, que acontece depois de muitas situações na própria vida em que perdemos parentes, com situações menos boas na nossa terra, então eu queria voltar ao meu sonho antigo, que é o Coliseu.

É um nome influente da música angolana e lusófona. Espera ver no Coliseu muitos compatriotas ou também aguarda por portugueses e africanos que vivem em Portugal?
Claro que espero ver os meus compatriotas, porque a minha música é em primeiro lugar dirigida a eles. Sou um artista que tento sempre fazer várias coisas dentro da música, desde que estejam dentro do meu sentimento também. Mas o meu carro-chefe é a música de Angola. Gostaria imenso de ter os meus compatriotas, mas espero também pelos portugueses, porque cada vez mais os nossos laços na música se vão estreitando mais. Vejo cada vez mais cantores portugueses a cantarem coisas que vêm de Angola, de Cabo Verde. Espero receber pessoal do Brasil, de Cabo Verde, de Moçambique, da Guiné, mas também portugueses, e desejo que aqueles que nunca ouviram a nossa música possam deliciar-se um bocadinho com ela.

Viveu muitos anos em Portugal, mas é angolano de nascimento. Sente que, por isso, tem esse privilégio de estar perto dos dois países?
Estar entre dois mundos e perceber os dois mundos é um privilégio. E ser recebido com abraços, com carinho, porque o que me faz mais feliz é o carinho que recebo das pessoas.

Que balanço faz de três décadas de carreira?
Um balanço muito positivo. Não vejo tristezas nem lágrimas por derramar, porque nesses 30 anos senti todos os dias um crescimento. Talvez não estejamos no top da música que sai de Angola para fora, mas estamos no top do coração das pessoas. Os 30 anos de carreira são um presente que as pessoas nos dão para que possamos manter-nos firmes e esperar por mais 30 anos de música.

Começou pelo semba, mas foi quase obrigado, segundo sei… Conte-nos lá essa história.
Sim, uma obrigação natural porque o meu pai era músico e lá em casa só se ouvia semba. E aquilo entrou no nosso subconsciente. Eu, como jovem na altura, também queria fazer o meu percurso, queria cantar outros estilos musicais que eram moda, mas ele não gostava muito, nunca elogiava, mandava para baixo, e eu não percebia que ele queria passar-me uma herança. Eu vivo com alegria cantando o semba e sinto-o dentro de mim. Não sei se outros artistas angolanos que cantam outros estilos os sentem da mesma forma quando eu canto o semba.

Há muita gente que não sabe o que é o semba. Consegue descrever?
Estamos a falar de um estilo que nasce na batucada, dos povos de Angola, da ilha de Luanda, e que se mistura com os filhos que vêm do Congo e que conseguiram dentro de Luanda fazer um ritmo musical, uma batucada. O semba começa com percussão e depois é que foi adicionando outras coisas. Muita coisa não está escrita, é a nossa linguagem mais pela via oral. Essa batucada era tocada depois pelos grupos carnavalescos, já nos anos 70. Depois adicionou-se a bateria, a viola baixo, as guitarras. Normalmente, o semba era batuque, vozes e dança. Hoje temos um semba pop, porque juntou-se muita coisa do mundo. Hoje temos sopro, teclados… O semba, para mim, é vida, é respirar um sentimento e poder exprimi-lo da forma mais pura de uma canção que tem uma batucada forte e que, principalmente, vem de Angola.

Foi muito influenciado pelo seu pai, mas também pelo Bonga, que era um dos seus ídolos…
Obviamente, o contacto com o Bonga… Além da música, a sua postura vertical sobre a identidade cultural, sobre a defesa do semba, da música, do angolano, das nossas matrizes, da nossa comida, da nossa tradição…

E tal como foi influenciado acaba por ser também a referência de uma geração de músicos angolanos. Inclusivamente tem um álbum, Intérprete, que reflete como inspirou novos artistas angolanos.
Sim, de alguma forma existe esse movimento e que me deixa feliz, porque é a continuidade daquilo que os nossos mais velhos já fizeram. É o que eu tenho dito, o futuro começa no passado. Começou com os mais velhos, como o Bonga e outros dessa geração, passa por mim e, agora, com os mais novos, e esses mais novos terão também os seus mais novos que vão pegar. É assim que se faz a cultura de um país. Para mim, é uma alegria fazer parte dessa corrente de amor que a música de Angola proporciona.

Tem-se batido muito pelo sucesso cultural de Angola, considera-o mesmo mais importante que o seu sucesso musical…
Exatamente, porque o meu sucesso musical vem acompanhado do sucesso de Angola. A música pertence ao meu país, não me pertence a mim. Não me vejo com egoísmo suficiente para considerar que tenha construído algo mais valioso que Angola. Todos os que foram passando por essa estrada da música, por essa estrada da vida e nos apresentaram as suas obras… eu não me sinto melhor do que eles. Sinto que sou mais um elemento que tem a ambição de transmitir a verdade nessa música com o talento que recebi.

Como é acolhido nos outros países de língua oficial portuguesa? Sente o mesmo entusiasmo com a sua obra?
Sinto, sim. O Brasil é particular, porque no Brasil quase nunca nos conhecem. O Brasil tem uma força pelas suas coisas. Ou há um investimento grande na música que vem de fora, como a americana, ou então não se entra com facilidade. Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Moçambique são países que me dão muito carinho, isto sem esquecer Portugal.

Nestes 30 anos tem a noção de que a sua música foi uma espécie de bálsamo para o povo angolano em tempos difíceis?
Bem, espero que sim. Há que ter a noção de várias coisas. Dizem que o conhecimento é bom mas, ao mesmo tempo, retira-nos a inocência. Então, eu prefiro continuar sem ter a noção disso. Faço a minha música para fazer bem às pessoas, nunca para fazer mal. E se, algum dia, uma música minha fizer mal a alguém, eu vou ter de pedir desculpas. A noção que eu quero ter é que consigo sentir o amor das pessoas e que elas estão felizes com tudo à volta. Tenho medo das vaidades, porque o sucesso e a fama corrompem muito. E eu tenho medo de ser corrompido, engolido, devorado pelo sucesso. Quero estar sempre em dúvida porque, com dúvida, temos sempre a ideia de perguntar, de procurar.

Começámos com o Coliseu, vamos acabar com o Coliseu. Vai ter como convidado Paulo Flores, que é um cantor de intervenção com quem tem uma ligação estreita e que já tinha atuado consigo na mesma sala em 2009. Até por isso vai ser especial.
Sempre que estou com Paulo Flores é um momento especial. Para mim, ter o Paulo Flores é bom demais, é sempre uma honra e um privilégio. E espero que continue sendo assim para toda a vida. Queria só acrescentar que, além do Paulo Flores, vamos ter o Prodígio. Apesar de não ser um cantor de semba – é um rapper -, o Prodígio é um artista, um músico, um poeta, e eu queria fazer esse cruzamento porque temos um sentimento muito próximo que nos liga não só pela música, mas também pelos valores sobre a angolanidade, sobre África, sobre todo o amor que existe de nós para as pessoas.