Dia 23 de setembro de 2015. “Vitória! Lisboa vai receber a Web Summit em 2016, 2017 e 2018!”, gritaram abraçados e em euforia os protagonistas da candidatura de Portugal à Web Summit assim que Paddy Cosgrave anunciou a decisão. Para o vice-primeiro-ministro, seríamos “a sede do maior encontro global de tecnologia”, para o secretário de Estado, o retorno do evento poderia “alcançar 175 milhões de euros em 2016”, rematando o presidente da Câmara que ali se iniciava “uma nova era, a era da Lisboa moderna”.

Paddy Cosgrave criou a Web Summit em 2009 como um polo de networking entre startups e investidores. O reduzido número de visitantes e de receita levou Cosgrave a rever o modelo, promovendo-o como o maior congresso mundial de tecnologia, com auditórios e oradores famosos, não obstante a maioria das conferências ter pouco ou nada de tecnologia. Teve mais visitantes, receitas e lucro, agora precisava de mais espaço e mais financiamento.

Levanta-se Lisboa a oferecer instalações na Parque Expo e um subsídio médio anual de 433 mil euros entre 2016 e 2018, quase quatro vezes o que Dublin pagara em 2015. Cosgrave nem hesita, larga Dublin e vem para Lisboa.

E que impacto teve a Web Summit? Sejamos simples. Em 2016, a edição de Lisboa recebe 50 mil visitantes, mais 20 mil do que Dublin em 2015. Em 2018, são 70 mil, o máximo até hoje. O Estado exulta, mas sem razão nenhuma: em 2016, Lisboa recebeu 49,7 mil turistas por dia, muito mais do que os 20 mil por dia na Web Summit sem retirar os nacionais e os que só ficam um ou dois dias. E este peso do evento continuou a baixar nos anos seguintes. Além disso o Ministério das Finanças mostra que as receitas e a coleta de IVA estiveram muito abaixo do esperado pelo governo neste período, com défices de 196 milhões e 77,5 milhões de euros.

Não obstante, a incompetência, o ego e a parolice de quem manda prevalece e em 2017 é assinado um novo contrato por dez anos, em que Cosgrave recebe 200 milhões (20 milhões de euros por ano) para um evento em claro desgaste. O irlandês esfregou as mãos de contente e foi sapatear o seu Riverdance preferido.

Ninguém parece ver que Paddy Cosgrave não é flor que se cheire e muito menos o génio que nos foi vendido. Tem dezenas de processos em tribunal por declarações públicas intempestivas, um padrão que explica o episódio desta semana, que levou à sua demissão de CEO do evento. Mas atenção, Paddy não se demitiu da sua holding, Manders Terrace. A dona da Web Summit registou receitas de 47,9 milhões e um EBITDA de 9,3 milhões de euros em 2019, permitindo a Cosgrave um net worth acima de 5 milhões e uma mansão georgiana comprada em 2022 por 1,8 milhões. Sem surpresa face ao artista, a maioria dos proveitos da holding, origem da sua fortuna, não vem dos eventos em si, mas de subsídios públicos: governos (com Portugal à frente), associações empresariais ou a própria UE.

Cosgrave é um espertalhão que embala os ingénuos, o cozinheiro de uma sopa da pedra de fazer inveja ao famoso frade de Almeirim, personagem que vale a pena recordar…

Este nosso frade levava sempre consigo um caldeirão e uma pedra. Quando tinha fome, batia a uma porta e dizia que queria fazer uma sopa com a sua pedra. Deixavam-no entrar e o frade lavava a pedra, pedia uma panela com água e um fio de azeite. Punha a panela à lareira e pedia uns temperos para a sopa – um pouco de carne, enchidos, feijão, batata… Quando o aroma da sopa enchia a cozinha comia-a regalado. Ao terminar, perguntavam-lhe “Então e a pedra?” E o frade sorria “A pedra agora lavo-a e vem comigo para a próxima vez.”

O Estado esteve muito mal na Web Summit. Foi enganado e desbaratou fundos dos contribuintes. É inadmissível, estas aventuras têm de ser banidas e há que assegurar que o Estado só trata dos programas para que foi eleito. Ou vamos deixar que a ingenuidade e a ambição do heroísmo fácil de governantes tolos e vaidosos nos metam em mais sopas de pedra?

Empresário, gestor e consultor