Dia 7 de Março celebrou-se o Dia de Luto Nacional pelas Vítimas de Violência Doméstica. O tema da violência doméstica é tão antigo quanto as relações humanas. Tem muitas arestas, muitas formas, muitas vozes, muitas campanhas e poucas soluções.
O tema é tão abrangente e sensível que para quem se propõe falar sobre ele é quase difícil saber por onde começar.
Infelizmente, creio que se tornou uma das causas sociais mais utilizadas para sinalizar virtude política e social sem que haja um verdadeiro empenho e sensibilidade para o tema.
A violência doméstica não ocorre apenas entre casais nem apenas contra mulheres, e muito menos se reduz à violência física, embora esta última tenda a ser sempre aquela que ecoa na mente e na acção da maior parte dos que se debruçam sobre o tema, por ser factual e não sujeita a uma apreciação (injustamente) subjectiva, dado que a tolerância varia de pessoa para pessoa, o contexto social também, e o que para um indivíduo pode ser uma acção violenta, para outro pode ser “banal”, “um mau momento”, “uma má atitude”.
Embora a lei n.º 57/2021 contemple a protecção das vitimas de atentado à sua integridade física ou psíquica, não há uma “lei social” que defina o início e o fim da humilhação, da manipulação ou da coacção, pelo que muitos preferem aguentar o tormento em silêncio. Um tormento que magoa sem encostar, o tormento de quem nunca foi ofendido com as palavras do costume, descaradamente condenadas socialmente, mas que, ainda assim, foi ofendido.
O tormento de quem se perdeu de si, do seu círculo social, dos seus gostos pessoais para não perder o outro. Mas, e daí? “É uma escolha. Se é tão mau, abandone”, dizem alguns sectores sociais. E, novamente, a vítima fica no seu casulo, cada vez mais vazia de si e da capacidade de pedir ajuda, propensa a desenvolver problemas psicológicos.
Na sociedade portuguesa torna-se ainda mais difícil o pedido de ajuda quando o acesso a psicólogos e psiquiatras é praticamente vedado a quem não tem condições financeiras e o SNS continua a tratar a saúde mental como (um dos…) parente pobre. Instituições de ajuda às vítimas desdobram-se em cuidados mas, infelizmente, as listas de espera são enormes.
De referir ainda que a cultura e as políticas anticapitalistas não são amigas das vítimas de violência, uma vez que obrigam vítimas e agressores a coabitar, por ser praticamente impossível, nos dias de hoje, um indivíduo viver sozinho sem qualquer tipo de dependência – seja do Estado ou de outra pessoa – e, onde há dependência, mais do que comummente surge o abuso: abuso moral, financeiro, psicológico e até físico. Neste sentido, sendo a vítima dependente do agressor, terá de ser ela a abandonar o lar, para soluções temporárias e lotadas – casas-abrigo.
Nada disto é justo e, mais uma vez, não são as políticas anticapitalistas que promovem a libertação dos que precisam A raiz do problema é profunda: as vítimas não precisam de vouchers, precisam de impostos mais baixos sobre os seus rendimentos. As vítimas não precisam de subsídios, precisam de que as empresas tenham condições fiscais para que haja a possibilidade de aumento de ordenados e de flexibilidade laboral que permita a progressão de quem precisa de encontrar um novo rumo laboral rumo a uma vida independente.
Para terminar, é necessária a libertação e o incentivo do fim do estigma: os homens também sofrem violência doméstica. Em 2020, cerca de 9% de indivíduos do género masculino fizeram pedidos de ajuda. Estes pedidos incluíram denúncias de abuso entre relações de parentesco directo (pais e filhos e vice-versa). E a população masculina tende a sofrer em silêncio, respondendo a uma certa pressão social ainda existente que demanda que os homens sejam “fortes”.
Este flagelo social não terá solução sem uma alteração radical das políticas que temos adoptado. As políticas adoptadas não têm sido efectivas na resolução do problema e não passam de pensos rápidos a estancar uma fractura exposta que sangra, muitas vezes, infelizmente, de forma literal, aos olhos de todos.
Menos agitar de bandeiras, mais acções. Menos sinalização de virtude, mais medidas. As causas ganham-se na batalha do concreto.