Renovar sem apagar a tradição e, no final, “apresentar ao mundo vinhos que reflitam um novo e renovado Alentejo”.
Eis o desafio de um grupo familiar que há mais e 40 anos trabalhava na distribuição dos vinhos dos outros e, dada altura, entendeu ser chegada a hora de criar um produto próprio, desejado e pensado a partir das raízes da experiência e do saber.
“Queríamos fazer algo diferente do que já existe no mercado”. Contudo, há que ter em conta que não basta dizer que se tem um bom produto, criado num grande terroir. Ou seja, não basta só história, tem também de haver vinho.
A história é contada por Luís Marvanejo. Ele é um dos administradores da Herdade da Amada, situada em Elvas, propriedade adquirida em 2018, precisamente com o objetivo de apostar na diferença. “Em Portugal, felizmente, temos bastantes produtores que fazem vinho com muita qualidade, e envolvidos em projetos vinícolas muito giros”, disse, em conversa com o NOVO, salientando: “O Alentejo passou por um período em que os vinhos eram muitos parecidos, com protocolos de vinificação muito idênticos, produzindo vinhos ‘sobre-maduros’, alguns com excesso de álcool, madeira a mais etc..”
O grupo familiar partiu para a aventura. Adquiriu a Herdade da Amada, com 18 hectares, 14 dos quais dedicados à vinha.
Apostar na diferença passou pela opção de plantarem em bravo. O que significa?
Significa plantar bacelos bravos que, por si, não dão nada. E, depois, enxertar neles as videiras das castas que se pretendem criar, escolhendo-as meticulosamente. Por exemplo, explicou Luís Marvanejo, a Touriga Nacional tem cerca de 120 variedades de clones. Este método permite escolher o clone exato que se pretende enxertar na planta .
O processo começa pela escolha dos porta-enxertos. Os da Herdade da Amada foram encontrados em vinhas velhas da região, quase todas de sequeiro. Foram, depois, plantados na terra, tendo ficado durante um ano a criar raízes, sendo podados por cima e dos lados à medida que iam crescendo para os obrigar a procurar no solo a água e os nutrientes. Este método irá permitir que, posteriormente, se poupe dois terços da água geralmente usada nas regas de uma vinha normal.
Quando os porta-enxertos já revelam a circulação da seiva, coloca-se-lhes, então, as videiras. Estas são identificadas e colhidas durante o verão, uma a uma, ficando armazenadas numa câmara frigorífica até março-abril, altura em que são, então transferidas para os porta-enxertos. O terreno está dividido em parcelas, crescendo em cada uma delas a casta que melhor se adapte, depois de estudados os solos.
“Há vários tipos de porta-enxertos bravos. Na Herdade da Amada foram utilizados os “1103P” e R110”. Estes porta-enxertos são escolhidos em função do tipo de solo e do tipo de casta que se pretende enxertar”, explicou Luís Marvanejo, observando: “Estes porta-enxertos adaptam-se praticamente às castas todas. Temos é de perceber o que queremos.”. A administrador chama também a atenção para o facto de este método de plantação em bacelo bravo ser uma prática já muita antiga.
Assim, a Herdade da Amada caracteriza-se por ter um dos maiores terroirs da Península Ibérica com vinhas plantadas pelo método tradicional de enxertia. Conforme explicou Luís Marvanejo. “a viticultura da Herdade da Amada segue o princípio da intervenção mínima, uma viticultura que respeita a natureza das castas e do seu terroir. Este tipo de viticultura de intervenção mínima, tem como base a prevenção aliada a uma forte monitorização e acompanhamento, assim como a enologia que segue também o princípio da intervenção mínima. Trata-se de uma enologia subtrativa, de forte base científica, que trabalha ao máximo com a química da uva e com o fator tempo, quase sem recurso a produtos enológicos, exceto quando estritamente necessário.”
A vindima é o momento mais importante do ano. As melhores uvas são colhidas manualmente, para caixas de 15 Kg, e transportadas para uma câmara frigorífica onde ficam durante um dia. Depois são transportadas num camião frigorífico para a adega. “Estes detalhes fazem toda a diferença”, observa o administrador.
A primeira vindima foi em 2022, resultando vários vinhos. “Mais do que estávamos à espera, pois a ideia era produzir apenas dois, dependendo do resultado da vinificação”, explicou. Ao final, a opção foi lançar apenas um branco e um tinto.
O primeiro foi apresentado em julho de 2023 e o segundo, por necessitar de estagiar mais, foi lançado há duas semanas. “É importante os vinhos passarem o inverno nas garrafas”, observou.
O banco tem Roupeiro, Arinto e Fernão Pires. Explica Luís Marvanejo: “Revela-se na prova um vinho diferente, fresco, equilibrado e muito gastronómico”. E adianta: “Em prova cega dificilmente se percebe que se trata de um branco do Alentejo, pela acidez, pelo perfil mais jovem, mais fresco, e mais mineral”. Conforme adiantou, foram produzidas 7500 garrafas e colocadas no mercado a 10,95 euros. “Já só sobram cerca de 200 a 300 garrafas”, revelou.
O tinto está no mercado ao mesmo preço, tendo sido produzidas cerca de 12 mil garrafas. Tem Alicante, Syrah, Aragonês, Touriga Nacional e um pouco de Castelão e de Grand Noir. Com esta diversidade de castas, não foi fácil conseguir-se o equilíbrio desejado. “Mas, foi um trabalho giro com os enólogos”, garantiu.
E adiantou: “o tinto identifica-se como vinho do Alentejo, mas numa prova cega também dificilmente se relaciona com uma região quente. Mais parece da região de Portalegre, pela frescura, pela acidez, resultante da técnica na produção que sustenta a diferenciação. É aromático com notas de frutos vermelhos, como framboesas, amoras e alguma ameixa preta.”
Para Luís Marvanejo, “o vinho tem de ser o reflexo do que sai da vinha”. “O princípio foi sempre este”, garantiu.
Este artigo foi publicado na edição do NOVO que está nas bancas desde sábado, dia 23 de março