Não vou dizer isto como filha de uma ucraniana; direi isto como filha de um português e, como portuguesa que sou, amando o meu país, a sua história e respeitando todo o seu passado, almejando o melhor para o seu futuro: sinto vergonha.

É verdade que são poucos os políticos no nosso país que, nas últimas décadas, souberam ou sabem ser líderes. António Guterres não é um deles. Nunca foi. Se dúvidas houvesse, agora ficou mais que provado.

O que me deixou tão incomodada? Várias coisas, destaco duas: a sua deslocação a Kazan para a cimeira dos BRICS e o cumprimento a Vladimir Putin.

Explico: António Guterres não foi lá como António, socialista, que sempre teve simpatia pela esquerda e deve muito à China o lugar internacional que mantém. Nem foi lá como diplomata, a tentar resolver conflitos mundiais. Foi lá na qualidade de secretário-geral das Nações Unidas.

Antes da cimeira, o presidente da Federação Russa anunciou que haverá uma nova ordem mundial, protagonizada pelos BRICS, e que será uma batalha contra o Ocidente. Disse, também, que estava na disposição de utilizar armamento nuclear contra o Ocidente, caso apoiasse a Ucrânia.

Putin é um criminoso há anos, perseguindo os seus adversários políticos. Tem um mandato de captura pelo Tribunal Penal Internacional. É responsável por uma das maiores guerras que se viu desde a II Guerra Mundial. Não tem qualquer pejo em falar que uma terceira vem a caminho – que, aliás, os BRICS podem bem ser o suporte para isso. E Guterres vai lá?

Depois de ter recusado aparecer na Conferência de Paz na Suíça, em junho, e de ter só dado o ar da graça online na Conferência de Paris? Vai aos BRICS, pessoalmente, apertar a mão de um “fasc-cínora”?!

A segunda coisa que me incomodou foi mesmo esse aperto de mão. A inclinação perante Putin, numa vénia ao apertar-lhe a mão e o sorrisinho deslumbrado – aquele sentimento enraizado do provinciano que fica fascinado quando encontra alguém famoso e com poder, mesmo que seja um assassino – talvez isso foi o que mais me incomodou. Aquela inclinação de quem não tem coluna vertebral.

O que António Guterres acabou por fazer foi normalizar um criminoso, legitimá-lo e à sua existência. Não foi lá falar de paz: não houve declaração alguma nesse sentido após o encontro, Putin não mudou um milímetro na sua opinião, nem o secretário-geral da ONU, em tempo algum, foi mandatado para essa função. Pelo contrário: a sua ida e a sua auto-humilhação apenas comprometeram qualquer negociação de paz.

Sim, aquela inclinação corporal, no fundo, foi o peso do manto da vergonha que nos cobriu a todos nós.