A IL foi o primeiro partido a anunciar o voto contra o Orçamento do Estado para 2024 e vai apresentar ideias de alteração, nomeadamente para reduzir o IRS. É possível reduzir significativamente os impostos e melhorar serviços públicos?
Vamos apresentar a proposta mais ambiciosa de redução do IRS. Não se trata de uma obsessão com a redução de impostos, mas esse caminho permite gerar crescimento, atrair mais investimento estrangeiro e dinamizar o mercado. Isso fará com que os salários possam subir. Mas vamos também ter uma preocupação grande com o acesso à saúde, porque continua a ser um problema muito sério, e queremos apresentar soluções no domínio da habitação. Temos um problema que é reconhecido por todos, mas é um problema que está do lado da oferta. Aquilo que o governo apresentou com o pacote Mais Habitação piora a situação, porque retira confiança ao mercado. Quando o mercado não tem confiança, os proprietários e os investidores retraem-se. Vamos apresentar medidas concretas no sentido de estimular a oferta. Mas a nossa visão sobre o problema dos serviços do Estado é que não se trata de uma questão de dinheiro, trata-se de uma questão de modelo.
É possível travar a degradação de alguns serviços públicos com menos dinheiro?
Na saúde, por exemplo, tínhamos um orçamento de 9 mil milhões há poucos anos; ele vai já acima dos 15 mil milhões. E não foram esses 5 mil milhões adicionais, que foram atirados para cima dos problemas da saúde, que resolveram qualquer problema dos portugueses no acesso à saúde. Não se trata de uma questão de dinheiro, trata-se de uma questão de gestão. Não podemos dizer que a redução de impostos tem impacto na questão dos serviços, porque os serviços públicos estão como estão por incapacidade de gestão e porque os modelos em que se baseiam são ultrapassados e já não respondem às necessidades dos portugueses. É mesmo uma questão de modelo.
Quais são as medidas que vai apresentar para responder com alguma eficácia aos problemas da habitação?
Temos um problema do lado da oferta. Há pouca oferta para as necessidades que existem no país. A primeira medida seria reduzir a tributação dos rendimentos prediais dos senhorios. Foi reduzida com o pacote Mais Habitação, mas não é suficiente. É importante incentivar os proprietários a recuperarem imóveis e a colocarem esses imóveis, que neste momento podem não estar a ser utilizados, no mercado. A segunda medida seria reduzir o IVA da construção para haver mais gente a construir e a disponibilizar casas, e para os preços descerem. A terceira medida muito importante é a questão do IMT. Foi apelidado por António Guterres, quando se chamava SISA, como o imposto mais estúpido do mundo. Passaram décadas e continuamos a ter esse imposto mais estúpido do mundo a sobrecarregar os portugueses. Se a habitação é um bem essencial que sentido faz, no momento da aquisição, os portugueses ainda terem de suportar um imposto que não faz nenhum sentido? Estas medidas trarão mais confiança ao mercado e trarão mais oferta de habitação. A confiança parece um conceito vago, mas tem consequências na vida das pessoas.
Que tipo de consequências?
O governo, nomeadamente António Costa, tem feito intervenções sucessivas no mercado em sentidos contraditórios.
Essa intervenção do governo tem feito aumentar os preços das casas?
Atualmente, quem tem propriedade não sabe com o que conta e retrai-se. A consequência prática disto é que, no mercado de arrendamento, por exemplo, devido a estas intervenções sucessivas, os contratos têm uma duração cada vez mais pequena. Assim que entramos numa habitação já temos de pensar para onde vamos a seguir, porque se calhar aquela já não vai estar disponível porque o contrato é muito curto. E, quando não há confiança, os preços sobem.
A habitação será o principal problema deste governo até 2026?
É muito difícil escolher qual é o principal. Quando escolhemos qual é o pior problema, entre coisas tão graves como o acesso à saúde ou a habitação, deixamos para trás problemas que são também muito graves como a educação, porque as consequências não se sentem no imediato. Não é a mesma coisa não ter médico, não ter casa ou não ter professor. Embora não ter professor seja também muito grave. António Costa tem demasiados problemas, mas na verdade são as pessoas que estão a sofrer.
Quando olha para as sondagens encontra esse desejo de uma alternativa ao Partido Socialista?
As sondagens dizem uma coisa muito importante: há uma brutal perda de apoio do PS e uma enorme insatisfação.
Mas os partidos de centro-direita estão em condições de oferecer uma solução governativa?
Nós tivemos, até ao verão, muito escrutínio ao governo. O melhor exemplo foi a comissão de inquérito à gestão da TAP. Esse foi um tempo de muita crítica, fomentada também por toda a instabilidade no governo com as saídas sucessivas de governantes. Isto teve efeito, porque o PS perdeu apoio. Agora, é preciso manter esse escrutínio, mas temos de ser capazes de apresentar alternativas. E, portanto, percebendo que há aqui um desafio, porque o apoio ao PS desceu muito, a nossa interpretação dos sinais do eleitorado é: mostrem agora como seria o país da IL. É um trabalho que temos de fazer para provar que este PS não serve – e penso que isso já está muito interiorizado nas pessoas – mas que também passa por apresentar a nossa visão para o país.
Temos ouvido várias personalidades a defender uma aliança pré-eleitoral entre os partidos de centro-direita. A Iniciativa Liberal estaria disponível para analisar essa possibilidade?
Temos isso esclarecido. A IL apresentar-se-á sempre a eleições legislativas com as suas listas e as suas propostas. Isso é algo que está decidido.
Nem vale a pena conversar com a IL sobre uma eventual aliança pré-eleitoral?
É um assunto que está fechado. Assumimos esse compromisso para com o partido quando apresentámos a nossa moção de estratégia.
Essa porta está fechada, mesmo tendo em conta que, até 2026, poderão existir mudanças nas lideranças dos outros partidos?
Somos um partido com uma marca ideológica muito clara. Os portugueses sabem com o que podem contar da parte da Iniciativa Liberal. Isso permite-me dizer que a IL mantém o seu caminho venha quem vier. A questão das lideranças dos outros partidos são questões dos outros partidos. A IL tem um caminho claro e não vai fazer adaptações em função do contexto.
A abertura que existe é só para conversar depois das eleições…
Sim. Somos um partido responsável e queremos fazer parte das soluções para o país, mas não prescindimos de apresentar ao país as nossas ideias, as nossas propostas e os nossos candidatos. Falta ao país esta visão. Que país queremos? Não vejo isso nos outros partidos. Qual é o país que o PS quer? Qual é o legado destes oito anos? Queremos ser um país para quem tem ambição ou o país da mediocridade? O que António Costa quer é gerir o dia-a-dia, mas isso não é um primeiro-ministro. Isso é um gestor de condomínio que vai gerindo dia-a-dia as necessidades. Se falta uma lâmpada, se o elevador avariou… O país não é um condomínio. Precisa de estratégia e de visão.
Está convencido que este governo vai durar até 2026, depois de um período conturbado que levou a IL a apresentar uma moção de censura…
Na altura houve quem não entendesse o momento em que a apresentámos, mas o tempo veio dar-nos razão. Não foi apresentada cedo demais, porque era preciso dar alguns meses de trabalho ao governo, mas também não era preciso dar demasiado tempo porque António Costa está no poder há oito anos e é mau para o país ter de esperar mais três . Os serviços públicos estão a degradar-se. António Costa disse uma frase muito interessante sobre isso: ‘A realidade anda mais depressa do que as medidas do governo’.
Essa frase foi dita em relação ao problema da habitação…
O problema é que António Costa está parado e o país está parado.
Se houvesse eleições agora teríamos dois cenários: uma maioria de esquerda ou uma maioria de centro-direita que obrigaria a entendimentos com o Chega. Como é que o centro-direita governaria se a IL não está disponível para alianças com o Chega?
Neste momento não é só a IL. Definimos muito cedo com quem nos entendemos. Os eleitores merecem o nosso respeito e os partidos devem ser muito claros sobre isso. A IL fez isso muito cedo e outros demoraram tempo…
Está a falar de Luís Montenegro?
Estou a falar do PSD. Rui Rio também não teve uma posição muito clara.
Mas agora a posição do PSD é clara no sentido de excluir acordos com o Chega?
Não vejo que possamos fazer outra interpretação depois das últimas declarações do PSD.
Nesse caso, e olhando para as sondagens, dificilmente haverá uma maioria de centro-direita que se consiga entender para governar…
Agora há uma perguntas com que os eleitores devem ser confrontados: para que serve votar no Chega? Qual é a utilidade de votar no Chega? Temos de começar a fazer essa pergunta, nomeadamente ao líder do Chega. E há outra pergunta que temos de fazer a António Costa ou a quem estiver, nessa altura, à frente do partido: o PS vai continuar a ignorar os apoios que esta esquerda radical sistematicamente dá a ditadores, a regimes hediondos? António Costa vai continuar a abrir os braços a estes radicais que são capazes de apoiar regimes execráveis?
As questões internacionais não impediram a existência da geringonça durante quase seis anos…
Mas esta pergunta não pode deixar de ser feita quando estamos numa situação terrível depois do ato terrorista do Hamas. Só a esquerda radical não é capaz de reconhecer que é uma organização terrorista. É bom que haja clarificação e a maioria tem sempre soluções. Já houve governos de maioria relativa…
Um governo de maioria relativa seria uma solução a ter em conta?
Nada nos diz que não pode resultar daí uma boa solução governativa. Não podemos condicionar a democracia a essa tentativa de bloquear o país e dizer que não há soluções. Não temos de ficar conformados com este governo socialista. Olhando, por exemplo, para este orçamento percebemos que, no final do ano de 2024, a vida dos portugueses não vai melhorar. Temos de deixar que a democracia funcione. E há sempre soluções em democracia.
A IL revê-se mais na possibilidade de integrar um eventual governo de centro-direita ou, por exemplo, fazer um acordo de incidência parlamentar?
Não estamos aqui à procura de cargos. Sei que há outros partidos que já disseram que queriam vários ministérios, mas nós não estamos aqui para ocupar cargos. Estamos aqui para defender as nossas ideias.
Mas dentro do governo é mais fácil aplicar algumas dessas ideias…
É verdade, mas não há uma escolha óbvia em relação a isso. Aquilo que será depois uma possível plataforma de entendimento é algo que temos de ver no momento, tendo em conta o que for melhor para o país. Do ponto de vista da Iniciativa Liberal, assumimo-nos claramente como parte da solução, queremos fazer parte da solução, mas o modelo em que essa solução é desenhada é, para nós, neste momento, o menos importante. Não condicionamos os interesses do país a qualquer tipo de ambição que afunile o tipo de solução que possa ser encontrada.
Esses dois cenários estão em aberto…
Estão os dois em aberto.
O acordo entre Miguel Albuquerque e o PAN poderá prejudicar a relação com o PSD ou entende que é uma questão específica da região da Madeira?
É uma questão muito específica. Se não fosse, teríamos de retirar consequências políticas do resultado do PS e dizer que António Costa teria de colocar o lugar à disposição. Mas aquilo que fizemos foi dizer que estaríamos disponíveis para se coligar com os interesses dos madeirenses. A IL não tomou nenhuma iniciativa, mas fomos contactados para avaliar a abertura que teríamos para discutir uma solução. Aquilo que fizemos, porque somos um partido responsável, foi manifestar essa abertura para conversar.
Mas qual foi a razão que impediu esse acordo?
O PSD/Madeira decidiu outro caminho e é uma decisão legítima. A única questão que coloco aqui é: a vida dos madeirenses ficaria melhor com uma solução em que a IL tivesse a possibilidade de exigir a descida de impostos, o acesso à saúde e o combate à corrupção ou com o acordo, que ninguém conhece bem, que foi celebrado? O que é que mudou de concreto na vida dos madeirenses com aquele acordo?
Isso não muda a relação com o PSD?
Não porque há, de facto, uma especificidade regional e porque estamos onde sempre estivemos. Ou seja, estamos disponíveis para discutir soluções com maturidade e seriedade. Somos um partido exigente e não passamos cheques em branco a ninguém.
A relação com o PSD é boa depois daquele encontro com Luís Montenegro em maio?
É cordial, na sua essência, mas é uma relação que não tem momentos de continuidade. É público que houve um primeiro encontro com o líder do PSD e dissemos, na altura, que o resultado seria a abertura de uma linha de comunicação. Essa linha continua aberta, mas não há uma relação de proximidade diária ou permanente.
Essa linha não tem sido utilizada?
Não há nada de essencial, neste momento, a discutir. O PSD está a fazer o seu caminho, presumo eu, e a IL faz claramente o seu. O que é importante para o país é saber que esta linha de comunicação está aberta e que, quando há uma necessidade, essa abertura existe.
Fala-se, muitas vezes, no regresso de Pedro Passos Coelho e há quem pense que é o líder com mais capacidade para unir a direita. Como encara essa possibilidade?
A IL é um partido muito consistente nas suas ideias, no seu programa político, na sua ideologia. As lideranças dos outros partidos não têm qualquer impacto na visão que temos para o país. Continuaremos o nosso caminho, venha quem vier.
Já decidiu quem vai ser o candidato da Iniciativa Liberal nas eleições europeias?
Não. É um processo que está a decorrer dentro do partido, de reflexão. Diria que, até ao final do ano, a IL apresentará o cabeça-de-lista às eleições europeias.
João Cotrim Figueiredo seria uma solução que lhe agradaria?
A boa notícia relativamente ao João Cotrim Figueiredo é que ele está disponível para estar ao serviço do partido. Isso é algo que é muito importante para a IL. É, de facto, um excelente candidato a qualquer coisa. Mas estamos num processo de reflexão interna e até ao final do ano haverá novidades. Será, seguramente, uma lista com excelentes candidatos para representar os princípios liberais na Europa. É uma eleição muito importante para a IL.
Qual é a meta para as eleições europeias?
Ainda não temos representação no Parlamento Europeu e queremos ter um deputado. É esse o objetivo para completar, neste ciclo político, a representação da IL em todos os parlamentos.
E mantém a meta de atingir os 15% nas eleições legislativas, apesar de as sondagens lhe darem valores mais modestos?
O meu compromisso é transformar o partido no sentido de ter essa ambição numa futura eleição. A Iniciativa Liberal cresceu, mas temos de transformar o partido internamente para que a sua estrutura seja capaz de projetar o partido para esse objetivo. Estamos a discutir os estatutos e o programa político. São duas peças de gestão fundamentais para catapultar o partido para voos mais ambiciosos.