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Urgências e Acesso aos Cuidados de Saúde

Foi anunciado que os próximos meses de novembro e dezembro serão dramáticos para o Serviço Nacional de Saúde. Se é verdade que esta frase deve ser encarada no contexto de duríssimas negociações laborais, também não pode ser ignorado que o impacto nos serviços de urgência será generalizado. Este é um dos textos mais pessoais e […]

Foi anunciado que os próximos meses de novembro e dezembro serão dramáticos para o Serviço Nacional de Saúde. Se é verdade que esta frase deve ser encarada no contexto de duríssimas negociações laborais, também não pode ser ignorado que o impacto nos serviços de urgência será generalizado.

Este é um dos textos mais pessoais e mais difíceis que já escrevi. No final deste mês, foi-nos comunicado que a urgência pediátrica do Hospital Fernando Fonseca (HFF) teria as suas portas encerradas após as 20h00.  Esta situação não é aceitável. Prejudica os profissionais, prejudica a instituição, o prestígio do SNS e, mais importante, prejudica de forma incalculável as crianças e suas famílias.

O HFF dá resposta às necessidades em saúde de cerca de 600 mil pessoas, das quais perto de 200 mil sem médico e enfermeiro de família. A urgência pediátrica presta cuidados a 115 mil menores dos concelhos que o HFF serve, população de referência a que se juntam crianças oriundas da região Oeste ou provenientes da área de influência de Loures, cuja urgência pediátrica também está condicionada. Por esta razão, entre janeiro e setembro de 2023, a urgência pediátrica do HFF foi responsável por 10,5% dos atendimentos da Área Metropolitana de Lisboa, um aumento em relação ao ano de 2022, que foi responsável por 9% dos casos.

Estes dados mostram que a urgência pediátrica do HFF é a segunda com maior utilização da região. O seu encerramento e a ausência de alternativas colocarão uma pressão adicional sobre os poucos serviços que permanecerão abertos. Contribuindo desta forma para a deterioração das suas condições de trabalho e da qualidade dos cuidados prestados.

O hospital serve uma população bastante carenciada. Com taxas de desemprego superiores à média nacional, taxas de escolaridade preocupantes e baixos rendimentos, encontram-se reunidas na região as condições que criam e acentuam vulnerabilidades sociais. Um serviço público de urgência não presta apenas cuidados de saúde. Resolve problemas sociais, protege crianças e é uma verdadeira rede de salvaguarda da comunidade.

Não é incomum, receber mães que fazem o percurso de cinco quilómetros da Amadora até ao hospital, a pé e com os filhos ao colo, para serem observados no serviço de urgência. É habitual os primeiros autocarros da manhã trazerem pais com filhos doentes, alguns em situação grave, mas que, pela ausência de rendimentos e conhecimentos para procurar outro tipo de ajuda, mantiveram os filhos em casa até de madrugada. O Estado não pode falhar a estes cidadãos. Todas as crianças merecem garantia de acesso a cuidados de saúde de qualidade. Não podemos recuar neste valor fundamental.

O problema torna-se maior quando sabemos que em toda a área metropolitana várias urgências pediátricas encontram-se igualmente com acesso condicionado. Todo um sistema alicerçado sob trabalho precário e pouco planeamento, que não sofreu nenhum tipo de investimento nas últimas décadas, encontra-se, em vésperas da altura de maior procura, em risco de não dar a resposta necessária à população. A questão laboral deve ser resolvida, de forma justa e célere. Mas não caiamos na ilusão de que este é o único problema do setor. A má e ineficiente distribuição de responsabilidades entre médicos e enfermeiros, a ausência de integração de cuidados e o facto de não existirem equipas médicas dedicadas e motivadas para trabalhar em urgência, são igualmente partes relevantes do problema. Que, novamente, não será abordado.

Desengane-se quem tenta enquadrar estes encerramentos como parte de um plano de “reorganização da rede”. Uma verdadeira reorganização é feita com tempo, planeamento e começa pela base: pelos cuidados de saúde primários. Aquilo a que estamos a assistir, pelo contrário, é um encerramento não planeado e sem alternativas preparadas.

Todos os profissionais de saúde com quem tenho falado recentemente transmitem-me a mesma mensagem: de confiança no serviço publico de saúde e de vontade de trabalhar para garantir o acesso a cuidados de saúde de qualidade. Os problemas do SNS serão resolvidos com os trabalhadores, não contra eles.

Todos queremos e precisamos de um Serviço Nacional de Saúde verdadeiramente universal.

Enfermeiro. Candidato a Bastonário da Ordem dos Enfermeiros


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