A política externa dos partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas é marcada pela centralidade dos valores. Estes partidos não negam que os interesses – do próprio Estado ou de outros actores, como empresas, ONG e outros grupos na sociedade – movem a política externa, nomeadamente em áreas como as relações económicas internacionais e a diplomacia económica. Todavia, entendem os valores como uma projecção do Estado no mundo, a transformação possível do mundo à sua volta pela perseverante defesa de tais valores.

Assim, um primeiro objetivo que deve nortear a política externa é a defesa da Democracia, do Estado de direito, dos Direitos Humanos e do Direito internacional. Estes elementos estão enraizados na política externa em democracia desde a Revolução de Abril, mas Portugal pode e deve fazê-los cumprir de forma mais incisiva. Quer no quadro bilateral, aprofundando especialmente as relações com democracias, quer ao nível multilateral, atuando sobre esses órgãos, para que tenham mais ferramentas e mais eficazes para a promoção da democracia, do Estado de Direito e dos Direitos Humanos e contribuir para uma maior importância do Direito internacional na regulação da vida internacional.

Portugal pode ser um ícone, como o foi com a Revolução de Abril, para muitas outras pelo mundo, num difícil contexto atual de crescente erosão da qualidade das democracias nos vários continentes e sem fim à vista. Evidentemente, tal não significa o corte de relações diplomáticas com as não-democracias, antes uma avaliação mais exata dos interesses e dos ganhos de relações fortes com regimes que não partilham estes valores.

Em segundo lugar, está no ADN do PS o aprofundamento e alargamento da União Europeia. Fazem parte da sua história e o PS foi ator essencial na ação de Portugal neste sentido, bem como no próprio processo de adesão de Portugal às Comunidades Europeias.

A União Europeia está confrontada com um contexto internacional muito incerto com variadas ameaças aos seus objetivos políticos e à sua segurança e defesa. Assim, uma política externa do PS pode e deve pugnar por um reforço da autonomia estratégica da União Europeia. Tal não significa um “orgulhosamente sós” para a União Europeia nem o fim da cooperação reforçada com a NATO e da parceria fundamental com os Estados Unidos, mas antes que esta consiga prosseguir os seus objetivos minimizando a sua dependência de atores terceiros.

A guerra na Ucrânia veio demonstrar e o conflito em Gaza confirmar que a União Europeia com uma política e uma estratégia autónomas desapareceu, estando enredada em interesses que não são os seus e incapaz de agir em áreas que sempre foram baluarte do seu comportamento, como a mediação e resolução de conflitos – área em que Portugal já teve um papel decisivo, como os casos de Angola, Moçambique, e Timor-Leste demonstram.

Como pequeno estado, com provas dadas nesta área, e construtor de pontes entre povos e continentes, Portugal pode até ter espaço para reforçar o seu papel nesta área. O capital diplomático que possa ser perdido com uma maior determinação nesta área é reduzido e o potencial de ganhos para Portugal, bem como para o mundo, incomparavelmente superior. O mesmo é verdade para a imagem e credibilidade internacional da União Europeia, crescentemente ignorada e secundarizada nestas questões.

Em terceiro lugar, a situação na Palestina. Pressionar no sentido de um cessar-fogo permanente apenas demonstraria o compromisso de Portugal com a paz, cooperação e justiça, princípios constitucionais. Avançar com o reconhecimento do Estado Palestiniano não é uma posição irrealista. A esmagadora maioria dos estados – e quase metade dos estados da Europa Central e Oriental – reconhece a Palestina. Se o governo Português diz estar à espera de um movimento mais amplo nesse sentido, pode concertar com outros estados europeus que deram sinais de abertura neste sentido, como Espanha, Irlanda ou Bélgica, e com líderes europeus como Josep Borrell, que crescentemente têm criticado os objetivos políticos de Israel com esta ofensiva. Esta não é apenas uma questão diplomática ou de justiça.

Nos Estados Unidos, os estudos de opinião já apontam para uma em cada três pessoas afirmar que Israel está a cometer um genocídio contra o povo palestiniano, opinião mais prevalente entre os jovens e os Democratas – o principal factor que colocará em risco a reeleição de Joe Biden, pela desmobilização desse eleitorado. Não havendo ainda dados sobre Portugal, é expectável que se verifiquem algumas tendências similares. A política externa portuguesa teve maior eficácia e capacidade de sucesso quando se aproximou dos anseios da opinião pública nacional e internacional, como com a independência de Timor-Leste.

Por fim, mas não menos importante, que se possam começar a pensar os primeiros elementos de uma política externa feminista. Portugal ainda estará demasiado longe de poder pensar na sua implementação plena, mas pode discutir, por exemplo, questões de representatividade no aparelho diplomático português, bem como na decisão política.

Que entraves concretos limitam a paridade de género na carreira diplomática? Mais mulheres em diplomacia e política externa implicaria uma política externa igual ou diferente, e porquê? O que pode significar adoptar uma perspectiva de género para a política externa? Se já temos mais actores na sociedade civil, de onde se destaca a MUD@R – Mulheres Diplomatas em Rede, que procuram sensibilizar neste sentido, tem cabido quase sempre a governos com forças socialistas, social-democratas e trabalhistas, na Europa e no mundo, o aprofundamento de uma resposta a estas questões.

Professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais