A Europa foi invadida por manifestações de agricultores. Protestos de agricultores não são novidade, mas uma nova frente de conflito parece ter emergido face às exigências do Green Deal e do compromisso de neutralidade carbónica assumido pela União Europeia. 

Em 2019, os agricultores dos Países Baixos bloquearam o país num protesto contra medidas para reduzir o uso de nitrogénio. O país é o maior poluente europeu de azoto, registando, há anos, níveis muito elevados de emissões. Em 2023, no ano mais quente de que há registo, os agricultores saíram às ruas de Madrid contra restrições do uso de água. Em França, centenas de agricultores conduziram tratores até Paris contra as restrições de pesticidas e outras imposições ambientais. Na Alemanha, o fim de subsídios ao diesel para a agricultura levou milhares a manifestarem-se no centro de Berlim. As manifestações intensificaram-se em 2024. Várias medidas do Green Deal, como a redução significativa no uso de pesticidas e a obrigação de dedicar pelo menos 4% das terras aráveis a usos não produtivos e de rotatividade de culturas, estão na base das manifestações.

Ao fim de alguns dias de manifestações, adiam-se políticas há muito tempo consideradas fundamentais no combate às alterações climáticas, como as medidas para regenerar os solos e aumentar a biodiversidade, que também está em crise, e a redução em 50% do uso de pesticidas. O vice-presidente da Comissão Europeia para o Green Deal justifica o adiamento com “uma série de eventos meteorológicos extremos, secas, inundações em várias partes da Europa” que teve um “efeito negativo na produção, na receita – e, claro, na diminuição da renda – para os agricultores”. 

Percebe-se que, no plano político, existam poucas alternativas ao recuo. O que não se percebe é a argumentação e a estratégia. Se algo a ciência nos diz é que eventos meteorológicos como secas prolongadas, chuvas intensas, inundações e fogos florestais devastadores vieram para ficar. Os eventos meteorológicos que “diminuíram a renda” dos agricultores não vão desaparecer em 2024, 2025, 2026 e seguintes. E o que vamos fazer nesses anos? Continuamos a adiar? 

Adiar vai agravar duas crises, a climática e a política, que se reforçam mutuamente. Os habitats na Europa já estão em mau estado, muitas culturas são afetadas por solos pobres, falta de água, poluição, perda de biodiversidade. Adiar só vai agravar as condições de futuro para a agricultura. Numa outra frente, os protestos dos agricultores resultam em ganhos eleitorais de partidos e movimentos populistas que prometem eliminar as restrições ambientais. Podemos adiar políticas, mas não conseguimos adiar o agravamento da crise climática e os seus efeitos na agricultura, que vai agravar a crise política e nos conduz a mais adiamentos. O círculo é tudo menos virtuoso. 

Temos de fazer melhor. Atuamos na frente regulatória, aprovamos leis para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, proteger a biodiversidade, preservar os recursos naturais e a capacidade de regeneração dos solos, mas estamos a falhar no envolvimento de cidadãos e agentes económicos. Regulamos muito, mas comunicamos mal a importância coletiva dos objetivos a alcançar. Impomos regulação ambiental e social às indústrias e às empresas, mas falhamos na coerência de liderar pelo exemplo. As entidades públicas europeias e nacionais deveriam ser as primeiras a comprar bens produzidos de acordo com a regulação ambiental e social, mas são as últimas. Aprovamos regulação ambiental para reduzir emissões de gases com efeito de estufa e, simultaneamente, incentivos financeiros ao uso de energias poluentes. 

Precisamos de mais coerência entre regulação e práticas públicas. Precisamos de ouvir mais, comunicar melhor. É urgente mais participação cidadã real nas decisões. É urgente trazer as novas gerações a lugares de decisão, diversificar a composição de fóruns nacionais e internacionais sobre o clima. É fundamental ativar o poder de mudança dos cidadãos, transformar informação em comunicação, trazer os cidadãos para o centro das políticas de combate às alterações climáticas. 

O ano de 2023 foi o ano mais quente registado, com a temperatura da Terra a atingir 1,48 oC acima do nível pré-industrial. Hoje sabemos que mais emissões significam mais aquecimento, mais fenómenos climáticos extremos, menos biodiversidade, menos solos produtivos, menos produção agrícola. Podemos continuar a adiar, mas o adiamento só vai agravar os problemas de todos, incluindo os dos agricultores.

Empresária

Artigo publicado na edição do NOVO de 10 de fevereiro