Faço parte dos 82% de portugueses que entraram em depressão depois da noite eleitoral. Fomos invadidos por uma sensação de que já nada vale a pena pois grande parte do eleitorado escolheu soluções que só vão adiar o problema.

A grande maioria dos eleitores votou contra alguma coisa e só os eleitores da direita não extrema votaram em partidos com campanhas pela positiva. Cresceu o bloco dos que só querem destruir e ganhou, por pouco, o bloco dos que querem construir. Cresceu o bloco dos que só sabem apontar o dedo e ganhou, por pouco, o dos que procuram soluções.

Há dois blocos de partidos. Os que querem fazer crescer o bolo e os distribuidores de migalhas, os que só se preocupam em sacar e os que querem produzir. De um lado temos os partidos que falam em medidas para fazer crescer o bolo e do outro temos os partidos como o Bloco, o Chega e o PCP, que só se preocupam com a distribuição das migalhas. Temos ainda o PS, que neste momento é uma incógnita. E o Livre, que ainda ninguém acredita muito que seja um partido à séria.

Quase toda a esquerda é composta por distribuidores de migalhas. Gente furiosa sempre à procura de taxar quem ganha acima da média, o que em Portugal equivale a uma classe média remediada. Gente que defende um sistema público do qual foge sempre que pode. Gente que não sabe fazer crescer o bolo e que se contenta em ter o poder de decidir a quem distribui as migalhas. Gente que é apoiada por recipientes das esmolas estatais, o eleitorado dos que continuam sem ter qualquer noção de literacia financeira.

À direita costumavam estar os partidos que defendiam o crescimento do bolo. Mas, agora, à direita temos também mais uns ansiosos das migalhas e raivosos do sistema que permite a outros terem o que eles não têm.

Enquanto à esquerda há simplesmente falta de ambição e comodismo quanto à distribuição de migalhas, à direita há ressentimento, pois creem que, se não fosse pelo “sistema”, eles estariam melhor. A inveja transformada em raiva move montanhas. Para essa “nova direita”, a culpa será sempre “deles”, essa entidade misteriosa que alimenta o populismo.

Nestas últimas eleições só havia dois partidos que falavam em crescimento da economia e em progressos, o PSD e os liberais. Só havia dois partidos que falavam da necessidade de reformas. Só dois partidos que acreditavam verdadeiramente nos portugueses e em Portugal. Só dois partidos que fizeram campanhas pela positiva. Todos os outros basearam as suas campanhas na raiva e no ressentimento.

À esquerda ficámos sem conhecer qualquer proposta concreta, foi uma campanha toda a atacar as ideias dos partidos de direita. Uma campanha pela negativa, tentando atemorizar o eleitor com a ideia de que a direita iria roubar as suas parcas migalhas. No outro extremo, à direita, a campanha igualmente pela negativa ia dizendo aos eleitores que os políticos é que são os ladrões das migalhas.

É a distribuição das migalhas do bolo que une a extrema-esquerda e a extrema-direita. Nenhum dos partidos dos extremos se preocupa minimamente com o crescimento desse bolo. O credo que os une é que não há nada a fazer, que os portugueses serão sempre miseráveis e apenas sobra a discussão da distribuição das migalhas.

É essa a grande diferença da extrema-esquerda e da extrema-direita. À esquerda dizem que se não fossem os ricos haveria mais migalhas. À direita dizem que não há mais migalhas porque os políticos corruptos roubaram-nas todas. Cada extremo tem uma desculpa comum para justificar a sua falta de ambição e coragem para criar e crescer.

Vamos ter um governo minoritário mas que espero seja grande na ambição. Para que o bolo cresça para todos e os pessimistas e miserabilistas deixem de definir o discurso político. Precisamos todos urgentemente de ar fresco.

Criativo

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 23 de março