Para além da espuma dos dias nacional (e internacional) – seja com a imprevisibilidade do resultado das eleições americanas, a “novela” em torno da aprovação do Orçamento do Estado ou, ainda, a radicalização (na sua maioria acéfala) de posições na sequência da trágica morte de Odair Moniz –, é bom recordar que o mundo se dilacera em torno de dois conflitos bem perto das nossas fronteiras.

Três anos após o início da “operação militar especial” – violando tudo que são disposições de direito internacional – da Rússia de Putin na Ucrânia, mesmo nas fronteiras (terrestres) da NATO e da União Europeia, centenas de milhares de mortos volvidos e com cidades (muitas delas históricas) destruídas, não obstante o forte apelo da comunidade internacional, o maior e mais mortífero conflito em solo europeu desde o final da II Guerra Mundial, ao contrário do ansiado por Putin, encontra-se bem longe de um fim, para mal de todos nós.

Por outro lado, numa das regiões histórica, religiosa e culturalmente mais tensas do globo, perdura há mais de um ano um conflito – inicialmente apenas entre Israel e o Hamas –, que se alastrou, nos últimos tempos, perigosamente ao Líbano e ao Irão (gigante potência nuclear) e que, ameaça uma escalada ainda maior.

Mais do que rivalidades culturais e religiosas históricas, nunca sanadas, o que ambos os conflitos denotam é um verdadeiro fracasso do sistema das Nações Unidas construído no pós-guerra e, por conseguinte, de toda a comunidade internacional.

O degelo e o consequente fim da Guerra Fria, acrescido dos fracassos que se revelaram as últimas intervenções externas americanas (e dos seus aliados), tendo como inevitável a retração das maiores e mais bem equipadas forças armadas do mundo, juntando-se à crescente influência do “gigante adormecido” chinês, e, por fim, a cultura pacifista ocidental que conduziu a um gritante desinvestimento na (nossa) segurança – em particular na Europa – em muito contribuíram para este fracasso.

Se foi sempre complexo o xadrez internacional, com os seus equilíbrios, zonas cinzentas e (fortes) incongruências, a verdade é que nunca, desde 1945, tanta fragilidade demonstrou.

Fragilidade essa que se revela na incapacidade de sequer assumir uma condenação maioritária, quanto mais medidas (jurídica e politicamente possíveis) para impedir um alastrar dos conflitos, um dos quais envolvendo um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, é bom recordar.

É, assim, neste quadro geopolítico instável, com a imprevisibilidade das eleições americanas da próxima semana – disputadas entre, de um lado, um antigo presidente, que instigou uma inédita revolta popular a fim de tentar evitar o reconhecimento da sua própria derrota eleitoral, e, do outro, uma candidata que (como há décadas não sucedia) se furtou ao escrutínio popular prévio das primárias do seu Partido Democrata – que viveremos os próximos tempos.

Tempos difíceis que exigirão protagonistas fortes e decididos. Cá, como em todo o mundo.