Todas as campanhas presidenciais começam no Iowa e no New Hampshire. Desde a década de 1970, quando os partidos reformaram o sistema de nomeação, nenhum presidente foi eleito sem dedicar meses a cortejar os eleitores nestes dois estados. Os candidatos percorrem os bairros, batem de porta em porta e fazem comícios, tentando persuadir os eleitores que são os mais qualificados para o cargo mais poderoso do mundo. Alguns testam a sua viabilidade, outros ganham impulso para a vitória, mas a maioria dos candidatos termina aqui as suas campanhas. A singularidade e, ao mesmo tempo, perplexidade da democracia americana reside no facto de dois estados, que representam menos de 1,5% da população, desempenharem um papel crucial na escolha do presidente norte-americano.
Na próxima segunda-feira, os republicanos do Iowa reúnem-se em assembleias populares, os caucuses – que normalmente decorrem em igrejas, bibliotecas ou mesmo em casas privadas – para discutirem e votarem no seu candidato preferido. Na semana seguinte, o New Hampshire vai a votos, a 23 de janeiro, na primeira eleição onde todos os eleitores podem votar (não apenas republicanos registados, como no Iowa), num caucus que tem sido pródigo em resultados surpreendentes.
Se no Partido Democrata não teremos história – Joe Biden concorre na prática sozinho –, as primárias republicanas apresentam ainda alguma indefinição. Na era moderna, nunca tivemos um candidato com um favoritismo tão pronunciado em primárias abertas como Donald Trump. Poucos acreditam que teremos eleições disputadas, dada a vantagem do ex-presidente norte-americano, tanto em sondagens nacionais, geralmente pouco relevantes nesta fase, mas sobretudo nos primeiros estados. No entanto, observámos, nas últimas semanas, fenómenos que podem colocar em causa esse cenário idílico para Trump.
A sua antiga embaixadora nas Nações Unidas, Nikki Haley, subiu consistentemente nas sondagens, especialmente no New Hampshire, emergindo como a principal rival de Trump. Chris Christie, que apresentava números superiores a 10% neste estado, anunciou a sua desistência esta semana. Ao mesmo tempo, Ron DeSantis, anteriormente considerado favorito para disputar a nomeação com Trump, perdeu força e é previsível que se retire após o Iowa. Ao contrário de 2016, quando beneficiou de um vasto leque de oponentes que não permitiram a formação de uma frente unida, este ano tudo indica o contrário, com quase todos os principais candidatos a desistirem antes das votações, como Mike Pence, Tim Scott e agora Chris Christie.
Para ter eleições verdadeiramente concorridas, várias coisas precisam acontecer. Em primeiro lugar, é necessário que Nikki Haley conquiste o segundo lugar no Iowa, com vantagem clara sobre DeSantis, levando-o a abandonar imediatamente a corrida. O governador da Flórida concentrou seus esforços no Iowa, onde conta com o apoio da governadora e do principal líder evangélico do estado. Um terceiro lugar no Iowa seria fatal para sua campanha, que já está nos cuidados intensivos, contribuindo para fortalecer a unidade da oposição a Trump em torno de Haley.
Há quem acredite que Haley possa sobreviver a um segundo lugar no New Hampshire. Dada a vantagem avassaladora de Trump, será bastante complicado. Daí que acredite que seja fundamental que Haley vença, adquirindo o que os americanos denominam de momentum e ganhe uma dinâmica de vitória para disputar as primárias seguintes, que decorrem precisamente no seu estado natal, a Carolina do Sul, onde foi governadora. Essas primárias ocorrerão apenas a 24 de fevereiro, o que lhe dará tempo para montar uma campanha no seu estado.
Se, pelo contrário, Donald Trump vencer no Iowa e no New Hampshire com a facilidade anunciada, Nikki Haley até poderá manter-se na corrida, possivelmente até à Super Terça-feira, em março. No entanto, Trump deixará de estar preocupado com as primárias republicanas e concentrar-se-á nas eleições gerais e, talvez mais importante para ele, nos diversos julgamentos que vai enfrentar em 2024.
Especialista em política norte-americana