Acredito que os comentadores devem, à posteriori, justificar as suas posições, pois sempre defendi que as opiniões devem ser fundamentadas em factos e não em preferências pessoais. Nestes últimos tempos, quem me acompanha sabe que preferia a vitória de Kamala Harris, ainda que me considere distante dela no espectro político. Quem acompanhou as minhas opiniões saberá que sempre reconheci motivos de otimismo para ambos os candidatos, como escrevi na semana passada. A vitória de Trump não me surpreendeu, embora tenha referido, logo na noite das eleições, que errei ao antecipar uma eleição mais renhida, com possíveis recontagens nos estados decisivos.

Nos últimos meses, fui reiterando que os fundamentos e o contexto eleitoral favoreciam fortemente o partido da oposição. A determinada altura, tornou-se evidente que este seria um ano em que o Partido Republicano poderia vencer a eleição com relativa facilidade, independentemente de o seu candidato ser alguém controverso, exagerado ou até peculiar – como referi num artigo em finais de setembro.

A meu ver, as razões de uma potencial vitória sempre estiveram claramente delineadas: um ambiente político, social e económico amplamente favorável aos republicanos, sobretudo em matérias cruciais como a economia, a inflação e a imigração ilegal, que constituíam as principais preocupações do eleitorado.

Há cerca de duas semanas, escrevi também que a América de hoje é marcadamente mais conservadora, em reação ao que muitos consideram serem excessos da esquerda americana em temas como segurança, imigração ilegal e ideologia de género. Para além disso, o verdadeiro “elefante na sala” era a profunda impopularidade da administração Biden, de que Kamala Harris era vice-presidente.

Kamala Harris foi também uma impopular vice-presidente, apesar de considerar que foi melhor candidata que parceira de Joe Biden na Casa Branca. A democrata fez o possível, depois de ser atirada para a ribalta a pouco mais de três meses das eleições. Angariou muitos milhões de dólares, captou o apoio inicial da América e, sempre defendi, errou ao escolher Tim Walz em detrimento de Josh Shapiro, o governador da Pensilvânia. Mas fez um excelente debate contra Donald Trump e teve bons momentos de campanha. No final, falhou em derrotar o adversário republicano, talvez pela fraca capacidade de mobilização do seu eleitorado.

Não era um ambiente fácil, como referi anteriormente, nem era ela a candidata ideal. Mas a responsabilidade não é dela, foi de Joe Biden e do seu círculo pessoal, que não percebeu que se deveria ter retirado mais cedo, para poder proporcionar umas eleições primárias livres, onde os democratas pudessem escolher o seu melhor candidato. Destacaria apenas um dos seus erros que não tem sido muito referido: o exagerado apego ao mundo das celebridades, como referi neste artigo de há duas semanas.  Harris termina aqui a sua carreira política, mas pode ter orgulho do que alcançou.

Donald Trump surpreendeu mais uma vez o mundo, vencendo pela primeira vez o voto popular e derrotando o establishment político de Washington. Reforçado com maiorias no Senado, na Câmara dos Representantes, com uma super-maioria no Supremo Tribunal e com uma equipa mais experiente e sobretudo fiel do que na sua primeira administração, Trump poderá finalmente implementar aquilo que defende para a América.

Além disso, ao contrário do que sucedeu em 2016, já não enfrenta bolsas de resistência internas neste Partido Republicano, agora construído à sua imagem. O velho GOP foi sepultado neste ciclo eleitoral e é agora representado por figuras como J. D. Vance, Elon Musk, Tulsi Gabbard ou Robert F. Kennedy Jr.. Por fim, uma nota especial para o mérito dos estrategas da campanha de Donald Trump, que souberam sempre ultrapassar as dificuldades, a maior parte delas criadas pelo próprio candidato.

Especialista em política norte-americana