Donald Trump nunca ocultou as suas intenções, pelo que ninguém pode alegar surpresa em relação às nomeações já conhecidas para a sua futura administração. Após um primeiro mandato em que recorreu a figuras mais convencionais e alinhadas com o establishment político, tornou-se evidente que o critério prioritário para este segundo mandato seria a lealdade incondicional.

As escolhas efetuadas não deixam margem para dúvidas: Trump não valoriza currículos nem se preocupa com a opinião dos media tradicionais – procura apenas aliados fiéis que não questionem as suas decisões e, de preferência, que o auxiliem a desmantelar o que ele e os seus apoiantes designam por Deep State.

Embora algumas das primeiras nomeações – como Susie Wiles, para chefe de Gabinete, ou Marco Rubio, para secretário de Estado – não tenham causado alarme, Trump rapidamente despertou apreensão nos círculos do Pentágono ao nomear Pete Hegseth, apresentador da Fox News, para secretário da Defesa.

Hegseth, com escassa experiência em gestão, apresenta como único trunfo relevante o seu passado militar, tendo combatido no Afeganistão e no Iraque. Reconhecido pelas suas declarações polémicas, é um crítico vocal da presença de mulheres nas Forças Armadas e demonstra uma lealdade incondicional a Trump. A sua falta de experiência na gestão de um dos maiores orçamentos do governo, bem como das complexas operações do Departamento de Defesa, levantou de imediato preocupações nos meios militares.

A escolha para diretora nacional de Inteligência foi igualmente controversa: Tulsi Gabbard, ex-congressista democrata, conhecida pelo seu alinhamento com narrativas próximas de Moscovo e Damasco. Desempenhou um papel significativo na disseminação de propaganda russa nos últimos anos, incluindo a alegação infundada de que os Estados Unidos teriam financiado laboratórios biológicos na Ucrânia. Fervorosa crítica do apoio norte-americano a Kiev, defende posições pró-Rússia no conflito.

Além disso, em 2017, reuniu-se com o ditador sírio Bashar al-Assad para criticar a política norte-americana na região e afirmou posteriormente que este não era um inimigo dos Estados Unidos. Agora, Gabbard foi nomeada para coordenar agências como o FBI, a NSA e a CIA.

Ainda mais controversa foi a escolha de Robert Kennedy Jr. para secretário da Saúde. Conhecido pelas suas posições antivacinas e defensor de teorias da conspiração, Kennedy alegou, por exemplo, que as vacinas causam autismo e que a covid-19 teria como objetivo atingir pessoas brancas e negras, enquanto os judeus asquenazes e os chineses seriam mais resistentes. As suas propostas para suspender o apoio à investigação científica em doenças infecciosas e ao desenvolvimento de medicamentos foram amplamente criticadas. É uma espécie de anti-ciência à frente de um dos departamentos mais relevantes na investigação científica e no desenvolvimento de tecnologia de ponta na área da saúde.

A nomeação mais polémica, porém, foi a do congressista republicano Matt Gaetz para procurador-geral dos Estados Unidos.Fervoroso defensor do movimento MAGA, Gaetz enfrentava investigações do Comité de Ética por alegações de má conduta sexual e consumo de drogas com menores. A sua demissão da Câmara dos Representantes, após a nomeação, foi recebida com alívio por vários colegas republicanos, mas com apreensão por muitos que o consideram incapaz de liderar o Departamento de Justiça.

Estas escolhas terão de ser aprovadas pelo Senado, onde Trump precisa de uma maioria de 50 votos para confirmar as suas nomeações, contando com o vice-presidente do Senado, J. D. Vance, em caso de desempate. Esta será, contudo, uma prova de fogo para o Partido Republicano. A derrota de Rick Scott, um dos aliados mais próximos de Trump, na eleição para líder da maioria – ficando em terceiro lugar, atrás de John Cornyn e do novo líder John Thune – revelou fissuras na unidade republicana e lançou um aviso aos círculos trumpistas. Isto depois de várias figuras MAGA – como Elon Musk, Vivek Ramaswamy ou o próprio filho de Trump – terem pressionado os senadores republicanos para elegerem Rick Scott.

Thune já avisou que não será fácil recorrer a manobras como os recess appointments para aprovar as nomeações governamentais, pois isso também requer o apoio de pelo menos 50 senadores para contornar os prolongados períodos de confirmação. Esta posição indica que Trump poderá enfrentar dificuldades significativas para garantir o apoio necessário às suas escolhas controversas.

O mundo MAGA, entretanto, aguarda ansiosamente o desfecho deste embate. Conseguirá Trump manter a unidade republicana e aprovar todas as suas nomeações? Ou haverá quatro senadores dispostos a desafiar a sua autoridade, colocando em risco a aprovação de algumas destas figuras polémicas? O futuro da administração Trump começa a ser traçado já em janeiro, e as respostas a estas questões definirão o início do seu segundo mandato.

Especialista em política norte-americana