O Tribeca Festival nasceu em Nova Iorque, em 2002, no ano seguinte ao 11 de setembro, ataque terrorista contra as Torres Gémeas, evento traumático na cidade que resultou na morte de milhares de pessoas. Foi neste cenário de destruição e tristeza que o festival começou por mão de Robert de Niro, Jane Rosenthal e do investidor imobiliário Craig Hatkoff, para dar mais vida à cidade, associando emoções à presença do entretenimento.
O evento começou por ser mais centrado na Sétima Arte, mas, ao longo dos anos, acabou por expandir o seu espectro e celebrar diversas formas de arte.
O festival chegou este ano pela primeira vez a Lisboa com conversas, projeções de filmes, podcasts ao vivo e música. Nas pausas, não muito frequentes face a um programa bastante preenchido, os visitantes puderam usufruir de várias atividades como a recolha de pipocas gratuita, a visita a cenários típicos de cinema e séries no espaço Pop-Up Stories e, ao final do dia, um palco com música que se prolongou noite dentro. Contudo, o destaque eram as conversas realizadas no palco principal, muitas delas focadas na relação entre o cinema e temas relevantes da sociedade, com implicações para todas as formas de arte.
No primeiro dia, o palco principal abriu com a conversa Restoring Hope: How Tribeca Inspires the World Through Storytelling, com Robert de Niro e Jane Rosenthal e moderação de Francisco Pedro Balsemão, num painel onde falaram um pouco mais sobre a vinda do festival para Portugal, as suas expectativas e os desafios do cinema na atualidade.
Em seguida, deu-se um painel maioritariamente português, com Pedro Lopes, argumentista e diretor de conteúdos da SP Televisão e SPi; a atriz Vitória Guerra; o ator Albano Jerónimo; Patrícia Vasconcelos, diretora geral e professora de técnicas de casting; e a produtora Joana Vicente. A todos estes nomes nacionais juntou-se o ator Chazz Palminteri. Os protagonistas discutiram sobre o que faz de uma história realmente boa no mundo do cinema, chegando a ser confrontados com a difícil questão “Será mais importante a performance ou o guião?”, apresentando diferentes respostas e opiniões a esta pergunta, com exemplos das suas experiências pessoais.
Seguiu-se o painel Leading Roles to Leading Films: What Happens When Actors Take the Director’s Chair?, onde os convidados eram atores e diretores. Griffin Dune, Francisco Froes e Daniela Ruah falaram dos desafios que ambos os papéis que desempenham – ator e diretor – têm num filme. Francisco Froes partilhou um pouco da sua curta-metregem, Silence, que teve a oportunidade de apresentar mais tarde no palco Made In Portugal, com dois dos atores desta produção, Sara Sampaio e Rafaela Morais.
Já a conversa Empowerment and Representation Matters: The Art of Storytelling Through Feminine Lenses contou com Patty Jenkins, Inês Lopes Gonçalves, Soraia Chaves, Gisela João e Mariana Monteiro, moderada por Randi Charno Levine, embaixadora dos Estados Unidos em Portugal. As protagonistas partilharam os desafios de ser mulher em cada uma das suas áreas: cinema, rádio, televisão, música e até na literatura.
Patty Jenkins abordou a o papel da mulher na indústria do cinema, Gisela João o preconceito que ainda existe sobre a postura da mulher no fado e Mariana Monteiro abordou o seu projeto na literatura que pretende transmitir às crianças o que é a igualdade de género, com o livro Mariana num mundo igual. Soraia Chaves abordou a dificuldade em ter papéis versáteis, por ter sido considerada um sex symbol no início da sua carreira, algo que lhe foi imposto e dificulta o desejo de interpretar tipos de mulheres diferentes. Já Inês Lopes Gonçalvez falou do seu podcast Não mandas em mim, um nome que vem daquela memória das crianças de dizerem que não mandam nelas e onde das pessoas falam sobre si.
Por último, neste primeiro dia, destaque para a Laughter, Tears & Healing: The Power of Comedy and Drama in Mental Health (and Storytelling), por ter sido um momento em que falou de assuntos mais sérios, mas sempre com muita diversão à mistura, o que seria de esperar da dupla que foi escolhida: Whoopi Goldberg e Ricardo Araújo Pereira, que acabaram por até interagir mais com a audiência e roubar gargalhadas do público.
O segundo dia acabou por ter momentos marcantes no palco principal e pela exibição muito aguardada de filmes internacionais. O primeiro filme exibido foi A Bronx Tale, The Original One Man Show na sala World Stories, uma peça autobiográfica que conta a história da infância do protagonista, Chazz Palminteri, que se juntou ao produtor Jon Kilik, no final do filme, para falar sobre esta história com a plateia.
Já durante a tarde deu-se a exibição de Ezra, um filme independente que provocou uma grande fila na entrada. A grande afluência obrigou ao reforço das cadeiras presentes na sala e alguns espectadores acabaram por assistir ao filme sentados no chão ou de pé.
O visionamento começou pela apresentação da obra pelo produtor Jon Kilik, que deu algum contexto a todos os que queriam ver o filme – que conta com Robert de Niro e Whoopi Goldberg no elenco – sobre um casal divorciado que tem um filho com autismo e que se vê na necessidade de tomar decisões nas quais não concordam e que levam o pai, Max (Bobby Cannavale) e o filho Ezra (William A. Fitzgerald) a fazer uma viagem pelo futuro do menino.
O filme provocou bastantes gargalhadas entre o público, tendo momentos muito divertidos, mas também outros que levaram as lágrimas aos olhos dos espectadores. Após uma grande ovação, Robert de Niro e Jon Kilik juntaram-se à sala para falar do filme. O visionamento contou ainda com a apresentação ao vivo da música que passa nos créditos pela compositora Adrienne Ackerman.
Para o palco principal, no intervalo entre conversas, foi reservado o anúncio da segunda edição do festival, em 2025, com Francisco Pedro Balsemão, Carlos Moedas, Jane Rosenthal, Robert de Niro e Bernardo Ferrão em palco, notícia que foi recebida com bastante entusiasmo.
Seguiu-se depois uma das conversas mais polémicas do dia Enduring Excellence in Hollywood: Crafting Stories That Stand the Test of Time in an Ever-Changing Society, onde se abordou o estado do cinema numa sociedade onde surgiram novas formas de assistir a filmes e também com o contexto da sociedade atual, que inevitavelmente chegaram a tocar na política.
Robert de Niro nunca se mostrou incomodado, durante o festival, em falar de política norte-americana, nomeadamente de Donald Trump, com quem admite não simpatizar nem um pouco. No entanto, o tema foi introduzido nesta conversa pelo moderador de forma mais direta, o que causou aborrecimento por parte da plateia, levando a que um membro do público gritasse “Vamos falar de cinema!”, o que motivou aplausos da plateia. Robert de Niro acedeu e repetiu “Vamos falar de cinema”. A partir daí a conversa mudou um pouco, procurando centrar-se mais em perguntas relacionadas com a preparação para papéis e também o futuro do cinema.
Outra das conversas mais marcantes do dia foi a How the New Storytelling in Media, Music, and Animation Is Empowering Diverse Voices (and Communities), onde Dino d’Santiago e Whoopi Goldberg protagonizaram um momento bastante emotivo, ao falarem sobre o racismo e os seus desafios.
O cantor de origem cabo-verdiana acabou por falar sobre a sua dificuldade em crescer com aquela que considerava ser a sua diferença e até um erro, mas que é apenas algo que “o mundo ainda não aprendeu a cantar”. Dino d’Santiago foi aplaudido de pé e deixou a atriz norte-americana emocionada com as suas palavras.
O Tribeca Festival volta no próximo ano, sem se saber ainda se será com os mesmos moldes, mas com a certeza da continuação da celebração da cultura portuguesa e americana.
Editado por João G. Oliveira