Em 1960, quando o senador do Massachusetts, John F. Kennedy, se preparava para enfrentar o então Vice-presidente Richard Nixon, estava plenamente ciente do desafio que os estados do Sul representavam. Sendo um jovem senador da Costa Leste, JFK era visto como excessivamente liberal pela facção sulista do Partido Democrata. Contra os conselhos do seu irmão Robert Kennedy e dos seus aliados liberais, JFK tomou a decisão estratégica de escolher, para candidato a Vice-presidente, o influente líder da maioria democrata no Senado, o texano Lyndon B. Johnson. Esta escolha revelou-se crucial para a vitória de Kennedy, garantindo-lhe não só o Texas, mas também vários estados do Sul, que começavam a resistir ao liberalismo pró-direitos civis do Partido Democrata.
Todavia, a ciência política sugere que esta foi uma exceção nas últimas décadas, uma vez que a escolha dos candidatos a Vice-presidente raramente tem sido determinante nas eleições presidenciais. E, analisando as escolhas de 2024, parece-me improvável que este ano seja diferente. Nenhum dos candidatos optou por alguém que ampliasse a sua base eleitoral, preferindo figuras políticas que se destacam pela lealdade pessoal, pelas afinidades ideológicas e pela ausência de risco de ofuscarem o líder da candidatura. J.D. Vance foi selecionado, essencialmente, por ser um jovem reflexo de Donald Trump, potencial herdeiro do seu legado no Partido Republicano. Por sua vez, Tim Walz representa a mesma facção que Kamala Harris no Partido Democrata, não introduzindo qualquer diversidade ideológica à candidatura. Talvez nunca tenhamos assistido a uma polarização ideológica tão pronunciada entre estas duplas candidatas, apesar das diferenças serem substanciais.
No Partido Democrata, encontramos a parceria mais à esquerda de sempre. Contudo, ao contrário do que os adversários republicanos propagam, não estamos perante uma esquerda radical. Trata-se, sim, de uma ideologia progressista bem definida, mas que não aliena os elementos mais centristas do partido. A escolha de Tim Walz pode ter sido motivada pelo seu historial como congressista durante 12 anos, integrando a ala centrista, e pela sua atuação como governador do Minnesota, onde tem liderado com uma abordagem mais à esquerda. Esta escolha representa uma concessão aos setores mais à esquerda, sem, no entanto, afrontar os moderados do partido. Embora não se espere que Tim Walz acrescente significativamente ao eleitorado de Kamala Harris, a sua presença também não compromete, o que é, frequentemente, crucial numa eleição deste tipo. Não obstante, é até possível que o seu apelo à América profunda e rural possa ter algum eco junto de segmentos do eleitorado que rejeitam Donald Trump.
Do outro lado do espectro político, encontramos uma dupla claramente alinhada com a direita radical do Partido Republicano, e sem grande espaço para os elementos moderados. Não surpreende, portanto, que nenhum político republicano vivo, que tenha ocupado cargos ou sido candidato a Presidente ou Vice-presidente – com a notável exceção de Sarah Palin – apoie Donald Trump. Nem sequer o seu Vice-presidente, Mike Pence, o faz. Figuras como Dan Quayle, George W. Bush, Dick Cheney, Mitt Romney e Paul Ryan, igualmente, não manifestaram apoio. Isto deve-se sobretudo ao desvio ideológico ser tão profundo que já não se revêm na plataforma populista, isolacionista e iliberal que o partido abraçou. A nova geração republicana, personificada por J.D. Vance, adere a um partido significativamente diferente da facção que o dominou até 2016.
Esta polarização ideológica evidencia também a convicção de ambas as campanhas de que as eleições de 2024 serão decididas pela mobilização das suas bases eleitorais, tanto dos setores conservadores quanto dos liberais da América. Num país profundamente dividido, ambos os partidos estão agora totalmente mobilizados, quer para votar no seu candidato, quer para derrotar o adversário ideológico. A grande incógnita reside em saber se os eleitores que ainda permanecem indecisos nos seis estados decisivos – Nevada, Arizona, Geórgia, Wisconsin, Michigan e Pensilvânia – pertencem a essas bases eleitorais ou, pelo contrário, são moderados que se movem por valores que transcendem as diferenças ideológicas. Apostaria nesta última hipótese, o que me leva a crer que ambas as escolhas não foram as mais indicadas. Ainda assim, a escolha de Tim Walz parece-me, no geral, mais prudente do que a de J.D. Vance. Porém, no dia 6 de Novembro, quando analisarmos os resultados eleitorais, creio que nenhum dos dois nomes será citado como determinante para o desfecho. A menos que algo inesperado surja, como um desastre de dimensões épicas ou alguma excepcional prestação, ambos serão irrelevantes.
Especialista em política norte-americana