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Temos muitos médicos?

O debate em torno da pergunta “temos muitos médicos?” é daquelas discussões que, nunca perdendo atualidade, ganhou nos últimos tempos uma maior relevância. Há quem aponte para as estatísticas oficiais da OCDE, em que estamos no pódio, demonstrando assim que temos os profissionais em número suficiente e que, se faltam no terreno, é apenas por […]

O debate em torno da pergunta “temos muitos médicos?” é daquelas discussões que, nunca perdendo atualidade, ganhou nos últimos tempos uma maior relevância. Há quem aponte para as estatísticas oficiais da OCDE, em que estamos no pódio, demonstrando assim que temos os profissionais em número suficiente e que, se faltam no terreno, é apenas por má organização. Também há quem faça a leitura em sentido inverso. Se há bastante evidência prática da carência destes profissionais é porque eles não existem em número suficiente; logo, é necessário aumentar a capacidade formativa.

A realidade é um pouco mais complexa. Começando pelos números oficiais fornecidos pela Ordem dos Médicos, existem 61.235 médicos registados na ordem. Mas, consultando os dados por escalão etário, concluímos que 20.894 têm mais de 61 anos, encontrando-se ou reformados ou quase aposentados. Se juntarmos ao grupo de médicos que já ultrapassaram a idade com que podem solicitar dispensa de trabalho nos serviços de urgência (6.360), sobram apenas 33.981 profissionais.

Podemos aprofundar a análise. Sabemos que a grande maioria dos especialistas terminam a formação depois dos 30 anos. Assim sendo, chegamos a um número final de 23.647 médicos especialistas com idade para assegurar os exigentes turnos de urgência, tanto externa como interna.

Planear recursos humanos em saúde é um exercício para o longo prazo. As consequências de qualquer medida nesta área só se farão sentir mais de uma década depois de ela ter sido implementada. Houve uma restrição muito intensa do acesso à formação especializada que só foi aliviada em 2010. Para se ter noção desta restrição, no período entre 2010 e 2019 houve um aumento de 25% no número de vagas para formação especializada, comparando com as duas décadas anteriores.

Esta restrição, associada ao crescimento do sector privado, a facilidade com que o norte da Europa recruta no sul, os salários reais dos profissionais de saúde estagnados e um Serviço Nacional de Saúde que só agora acordou para a necessidade de reter os seus trabalhadores, criou esta terrível tempestade. Daqui a cinco anos, mesmo com os restantes problemas por resolver, teremos uma situação melhorada na saúde, pois iremos colher os frutos do aumento da capacidade formativa.

Não quero com isto dizer que a solução é simplesmente aguardar alguns anos. Há muito por fazer neste tema. Voltando a citar a OCDE, o salário real de médicos e enfermeiros era, em 2021, inferior ao praticado em 2011. Não será com uma política de baixos salários que se conseguirá reter os trabalhadores necessários para manter a oferta de cuidados de saúde. É mesmo urgente dar resposta a este problema.

Por fim, a mesma organização internacional também demonstra outra face deste problema. Somos dos países com pior rácio de enfermeiros por médicos. E também possuímos uma organização de cuidados de saúde excessivamente centrada nos profissionais médicos, com má distribuição de responsabilidades e competências. Sem evoluirmos para um paradigma de prestação de cuidados não corporativo, estaremos sempre longe de garantir o acesso universal aos cuidados de saúde.

Antes de encerrar urgências, vamos trabalhar a base do problema. Em jeito de lista: criar condições para reter os profissionais; fortalecer os cuidados de saúde primários; e melhorar as competências e responsabilidades das diferentes profissões da saúde. Sem esquecer que é necessário fomentar a integração de cuidados, incentivar a criação de fluxos alternativos para os doentes e incorporar tecnologia para melhorar a consultoria dos especialistas. No fim, após ter resolvido a base do problema, podemos olhar para o mapa e decidir que urgências podemos encerrar. Mas apenas no fim deste processo. Começar por esta fase pode ser mais fácil, mas é um enorme erro, que demonstra que se desistiu do acesso universal a cuidados de saúde de qualidade.

Enfermeiro. Candidato a bastonário da Ordem dos Enfermeiros


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