Lisboa foi o ponto de partida para os festejos dos 30 anos do festival que nasceu em Barcelona e já teve edições no Japão e na Argentina. A cidade condal espanhola tem-se tornado num marco incontornável da cena da música electrónica europeia e o Sónar tem desempenhado um papel fundamental nesse sentido nas últimas três décadas.
Durante os três dias do festival, cheios de música electrónica para quase todos os gostos, cerca de 20 mil pessoas passaram pelo Parque Eduardo VII, onde puderam assistir a mais de 50 actuações, como Amelie Lens, Chet Faker, Diana Oliveira, Mochakk, Peggy Gou ou Yen Sung, numa programação que também contou com a exposição imersiva Sediment Nodes, na Estufa Fria, e algumas conversas e mesas redondas na Plaça de Barcelona, montada junto ao Marquês de Pombal.
Com as viagens entre palcos mais curtas – de um lado ao outro do Parque Eduardo VII, entre o Pavilhão Carlos Lopes e a Estufa Fria –, resolveu-se um dos mais apontados aspectos a resolver no ano passado: a dispersão de palcos que, em 2022, se dividiram entre o Carlos Lopes, Centro de Congressos de Lisboa, Coliseu dos Recreios e Hub Creativo do Beato.
Sónar by Night (31 de Março)
No primeiro dia, James Holden aproveitou para apresentar ao público o mais recente trabalho, o novo LP Imagine This Is A High Dimensional Space Of All Possibilities, fruto do seu habitual experimentalismo, que emprestou sobejamente ritmo à pista de dança que se instalou na Estufa Fria.
Do outro lado do Parque Eduardo VII, Max Cooper apresentou-se em palco atrás de uma rede gigante, montada entre o público e o DJ, onde fez projectar um jogo audiovisual que, combinado com as contagiantes batidas do produtor britânico, aumenta a temperatura do Carlos Lopes a níveis só excedidos no dia seguinte por Mochakk e Peggy Gou.
Seguiu-se-lhe Anfisa Letyago, a DJ italiana considerada a estrela em mais rápida ascensão do techno. Depois de um set inesquecível no encerramento do Sónar Barcelona do ano passado e duas visitas a Portugal em 2022 – NEOPOP e festa de fim de ano NEOPOP x Fuse –, Anfisa brindou-nos, nesta terceira passagem por terras lusitanas, com um set cheio de velocidade e BPMs crescentes, aquecendo o público para a actuação de I Hate Models.
Foi com um Pavilhão Carlos Lopes devidamente aquecido e preparado que I Hate Models entrou em cena, apresentando-nos, durante cerca de hora e meia, o som cru, agressivo e cheio da energia bruta a que nos habituou, acompanhado pelo espectáculo audiovisual exclusivo que preparou para o Sónar Lisboa.
Do outro lado do parque, Skream e Mala corresponderam às expectativas, num b2b em que demonstraram, no SónarHall, por que são dois nomes incontornáveis da cena do dubstep, com linhas de baixo pesadas, melodias e samples vocais sombrios e melancólicos, deixando a pista mais que pronta para receber KiNK.
O fim de noite na Estufa Fria ficou a cargo de KiNK, que trouxe consigo a habitual parafernália de sintetizadores e controladores analógicos que vai manuseando em tempo real em cima do palco.
Sónar by Day (1 de Abril)
O dia de sábado era o mais concorrido, por isso não foi surpresa que o Sónar by Day tenha sido a primeira sessão do Sónar Lisboa a esgotar bilhetes.
Mochakk, que trocou o horário com Folamour devido a um atraso no voo de Peggy Gou, apresentou-se em palco igual a ele mesmo e superou as expectativas criadas. Perante um Carlos Lopes cheio, colocou o público a dançar, elevando a temperatura dentro do pavilhão com os seus sets cheios da energia contagiante que emana desde o palco.
Enquanto Folamour dava seguimento à energia deixada por Mochakk, cá fora, Sherelle e Kode9, em formato b2b, mobilizaram o público que, no exterior do Carlos Lopes, resistia aos chuviscos que iam caindo, ao som de uma dupla que, apesar de tão distintas e criativas origens na cena da música underground do Reino Unido, resultaram numa mistura dinâmica e empolgante de estilos, fazendo-se valer das credenciais conquistadas ao longo das suas carreiras.
Tocando ao mesmo tempo que Peggy Gou, viram o tempo de actuação ser prolongado até às 22 horas, talvez para ajudar a aliviar a pressão do interior do Pavilhão Carlos Lopes, que estava a abarrotar para ver a DJ sul coreana.
Lá dentro, Peggy Gou fazia o que lhe competia. Vista como a cabeça de cartaz “não oficial” desta sessão Sónar by Day, encheu – e de que maneira – o Pavilhão Carlos Lopes. Se em Mochakk a temperatura já estava elevada, com a sul coreana o ar tornou-se praticamente irrespirável, com poucas correntes de ar.
Os milhares de corpos suados que enchiam uma pista de dança a rebentar pelas costuras não arredaram pé e dançaram do início ao fim de um set em que Peggy Gou se apresentou com um set mais agressivo do que o habitual.
Sónar by Night (1 de Abril)
No entanto, os atrasos na abertura de portas, trocas de horários registados durante a tarde e em cima da hora e tempos curtos de actuação foram algumas das queixas que se foram ouvindo durante o dia de sábado.
Catarina Silva e Diana Oliveira, por exemplo, actuaram durante largos minutos para um Pavilhão Carlos Lopes praticamente vazio. Se, no caso da primeira, as portas abriram alguns minutos depois da hora marcada para o início do set, no caso da segunda o atraso deveu-se à obrigação de esvaziar o recinto no final do Sónar by Day e fazer toda a gente com pulseira reentrar para o Sónar by Night. A DJ radicada no Porto merecia mais. Um aspecto a melhorar na próxima edição.
Na Estufa Fria, WhoMadeWho apresentaram-se com a sua synthpop mais acessível e que que agrada a um público mais amplo, propiciada pelo horário em que actuaram. Foi uma actuação que encheu as medidas, mas não entusiasmou, abrindo caminho para Acid Pauli, que apresentou a sua vertente mais cósmica e psicadélica.
Sónar by Day (2 de Abril)
No ultimo dia do festival, já com o sol a aquecer a encosta do Parque Eduardo VII, Bawrut no SónarPark animou o final de tarde, levando o público numa jornada imprevisível e dinâmica pelo mundo da música electrónica, sem medo do experimentalismo.
Teria sido interessante que o concerto de Sensible Soccers ou o DJ Set de Chet Faker tivessem acontecido no exterior do Carlos Lopes, a aproveitar o bom final de tarde de domingo, mas compreende-se que, no caso dos portugueses, a logística teria sido difícil de executar.
Cá fora, Rui Vargas e Gusta-vo tiveram a seu cargo as honras de encerramento do palco SónarVillage. Conhecidos pelos seus gostos ecléticos e pela capacidade de misturarem de forma completamente harmoniosa, não desapontaram neste b2b, com cada um a construir a energia do outro e levando o público numa viagem imprevisível através de diferentes estados de espírito e emoções. All in all, tratou-se de uma autêntica celebração da diversa e vibrante cena musical electrónica portuguesa.
Lá dentro, Amélie Lens dispensou apresentações. A DJ belga entrou a abrir e sem rodeios, num set cheio de energia, aumentando a rodagem com as suas batidas influenciadas pelo techno clássico, o acid e o industrial. Tratou-se de uma experiência intensa e cheia de energia, com já é habitual nos seus sets.
Sónar Lisboa regressa em 2024
Contas feitas, o Sónar Lisboa de 2023 apresentou – apesar dos grandes nomes que passaram pelo Parque Eduardo VII – um cartaz pouco diferenciado e uma aposta demasiado direccionada para o house e o techno, ao contrário da programação mais diversicada a que nos tem habituado. Um detalhe a rever para o futuro.
Se no ano passado as críticas foram quase todas direccionadas à localização dos palcos, este ano a divisão do dia de sábado nas habituais sessões by Day e by Night também foram alvo de críticas.
Isto porque, no curto intervalo entre as duas, a organização esvazia o recinto e obriga os portadores de passes gerais a ter de passar pelo processo de revista, gerando novamente grandes filas para entrar… e atrasos para as primeiras actuações da noite, como foi o caso de Diana Oliveira anteriormente relatado.
Uma palavra ainda da organização do Sónar para Ryuichi Sakamoto, cujo falecimento se conheceu durante o festival: “O Sónar teve o enorme privilégio de recebê-lo inúmeras vezes nos seus palcos, em vários formatos e linguagens musicais. O Sónar apresenta as suas sentidas condolências à família e amigos de Ryuichi Sakamoto”.
O Sónar está agora de viagem para Istambul, na Turquia, antes de regressar a Barcelona para celebrar o 30.º aniversário, entre 15 e 17 de Junho. O Sónar Lisboa’2023 tem data marcada para 22, 23 e 24 de Março.