A investigadora Ana Lúcia Sá considera “interessante” que os dez anos da entrada da Guiné Equatorial na CPLP se celebrem “numa altura em que a situação dos Direitos Gumanos no país piorou bastante, especialmente na ilha de Ano Bom”.
A ilha de Ano Bom, onde existe um crioulo de base lexical portuguesa, foi precisamente um dos argumentos usados a favor da adesão do país à CPLP há dez anos, na cimeira da organização lusófona em Díli, a 23 de julho de 2014.
Esta terça-feira, o país e organização assinalam essa adesão com a visita a Malabo do presidente em exercício da CPLP, presidente são-tomense, Carlos Vilanova, que será recebido pelo homólogo equato-guineense, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.
A investigadora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa sublinhou, em declarações à Lusa, que, “neste momento, as prisões do país estão com vários presos provenientes da ilha de Ano Bom, anobonenses que residem na ilha, assim como na parte continental do país, e também da ilha de Bioco, por causa de protestos contra processos de destruição ambiental nas ilhas”, relacionados com a “construção de habitações privadas e outros empreendimentos”.
De acordo com Ana Lúcia Sá, quem manifesta alguma crítica ou oposição aos projetos em curso nas ilhas “vai sendo preso, sem acusação formada, e impedido de receber visitas e cuidados médicos”. Ou seja, resume a especialista, “a situação é a de mais do mesmo”, sendo que, “neste caso, é um grupo setorial de cidadãos da ilha de Ano Bom que está que está a sofrer estas sevícias do regime”. Aquelas ações nas ilhas “estão a destruir a fauna e flora locais”, sublinha a investigadora.
“Estão a destruir a ilha de Ano Bom, que historicamente é uma ilha que tem sofrido bastante, desde lixos tóxicos do Ocidente até esta situação de não proteção do ambiente natural”, acrescentou.
Para além dos Direitos Humanos – em que, “basicamente, está tudo na mesma” – Ana Lúcia Sá também não observa avanços significativos na Guiné Equatorial relativamente a alguns compromissos assumidos na adesão à CPLP, há dez anos, nomeadamente no que diz o ensino da língua portuguesa, ou mesmo no plano da reforma do regime jurídico.
“Não tenho conhecimento sobre se, efetivamente, há um ensino da língua portuguesa, não sei; o que sei é que é um país com estruturas deficitárias na educação, até na primeira língua oficial, que é o espanhol”, afirmou.
Em relação à reforma do sistema jurídico, nomeadamente a abolição da pena de morte, que o país retirou do respetivo Código Penal em 17 de agosto de 2022 – cuja derrogação, porém, continua a ser objeto de discussão interna sobre a conformidade legal da mesma –, Ana Lúcia Sá diz que toda a questão continua a ser “tokenizada”.
“Continua a ser dito: ‘Ah sim, pronto, já não há pena de morte’, mas não é preciso haver pena de morte, porque há outros mecanismos para impedir que as pessoas tenham uma vida livre, como se está a ver agora”, afirmou.
“Não creio que a adesão à CPLP tenha servido para melhorar qualquer situação na Guiné Equatorial, nem sequer –como era a intenção – fazer da CPLP uma instituição promotora de Direitos Humanos num Estado de direito, de maior comunhão, de maior preocupação com os cidadãos da Guiné Equatorial”, concluiu.
Ainda assim, Ana Lúcia Sá descortina uma “evolução positiva nestes dez anos”: “Creio que há uma maior implicação e maior conhecimento da sociedade civil dos vários países que compõem a CPLP em relação a várias situações dentro desses mesmos países, incluindo a Guiné Equatorial”, afirmou.
No restante, a “motivação económica” continua a pautar as relações entre a Guiné Equatorial e os restantes membros da CPLP, no quadro de uma partitura “profundamente desigual, assimétrica e racista”, como é o sistema internacional, sublinhou a investigadora.
“Toda a construção do sistema internacional foi feita dessa forma, com base nessa exploração, com base nessa assimetria”, afirmou. Neste contexto, “as vidas dos equato-guineenses não importam, porque, se importassem, até no próprio quadro da CPLP – e sem falar em ingerência, porque não se trata disso – haveria formas de mitigar várias situações, haveria mais diálogo, haveria mais possibilidades de interações positivas e mais melhorias”.
“O facto é que não há”, concluiu Ana Lúcia Sá. “E a Guiné Equatorial é um caso; há outros casos na própria CPLP, mas ali há uma desconsideração completa [pelos Direitos Humanos], é como se fossem vidas que não importassem”, disse.