Com as pretendidas reformas apresentadas no 20º Congresso Nacional do PCC para o avanço da modernização chinesa, a respetiva Resolução do Comité Central fez soar o alarme na comunidade internacional.

Em 15 capítulos e 60 alíneas onde são abordados temas políticos, económicos, sociais e culturais com objetivos ambiciosos, destacaram-se as palavras: paz, reforma, abertura, modernização e rejuvenescimento. Referindo-se a um novo período, com uma retórica assertiva, para além de traçar fortes elogios ao presidente chinês, o documento menciona o papel fundamental de Xi Jinping para o cumprimento das metas apresentadas.

Ao querer que o PCC simbolize e represente a nação chinesa e que toda a população tenha orgulho nisso, Xi Jinping pretende que seja incutido o espírito e pensamento fundamentados nas antigas glórias chinesas (desde a dinastia Qing a Mao Tsé-Tung) contribuindo para o “grande rejuvenescimento da nação chinesa”. O objetivo é construir uma identidade nacional, mantendo a estabilidade social e política com base num sistema socialista moderno.

Neste sentido, ao ter a intenção de afirmar o poder e influência da China no sistema internacional, de fortalecer a segurança nacional e construir um mercado económico socialista autossuficiente com características chinesas, o presidente sabe que as reformas serão cruciais para o desafio como também crê que é através dos sistemas do partido que será possível contribuir para a prosperidade do país.

Para tal, tem em vista a melhoria do bem-estar do povo chinês (acesso a seguros de saúde e trabalho, segurança social, apoio residencial e educativo, etc.), o investimento nas áreas rurais, a cooperação pacifica com Hong Kong, Macau e Taiwan. Pretende melhorar e prioritizar os investimentos tanto em empresas públicas como privadas; desenvolver o sistema financeiro do país; manter a China como o país com maior taxa de realização de papers de sucesso no contexto de pesquisa & desenvolvimento (R&D); criar mecanismos de financiamento a pequenas e médias empresas das áreas da ciência e tecnologia; voltar a abrir portas a investimento estrangeiro e promover a colaboração corporativa globalmente (sobretudo no contexto tecnológico e industrial). Por último, tenciona “democratizar” instituições em que as pessoas se revejam e que se sintam respeitadas com base em leis de um sistema socialista redefinido com características chinesas de forma a que as vontades da população sejam escutadas e que o sistema tenha a capacidade de resposta face a estas.

Com este tipo de metas, parece que a RPC está a querer “ocidentalizar-se” tanto a nível interno como externo. Contudo, a forma como Xi Jinping vê o mundo e os comportamentos adotados pelo PCC na última década levantam sérias dúvidas ao sistema internacional.

As tensões no Mar do Sul da China, a questão de Taiwan, os protestos em Hong Kong, as restrições aplicadas pelo Estado chinês aos uigures em Xinjiang, o roubo de propriedade intelectual em muitas entidades ocidentais e os objetivos por detrás do BRI (a prática da diplomacia da “armadilha da dívida” aos seus parceiros comerciais ou os cortes em importações como forma punitiva aos países que não atuam em conformidade com Pequim) são factos que fazem o mundo recear a nova abordagem da RPC.

A Resolução do Comité Central, apesar de apresentar iniciativas que parecem estar alinhadas com os princípios e valores das democracias e dos Direitos Humanos, acaba por distanciar-se destes. Na alínea 38º é especificado que o governo chinês tomará fortes medidas para se opor à adoração do dinheiro, ao hedonismo, egocentrismo e ao niilismo e que implementarão mecanismos capazes de direcionar a sociedade; em relação à filosofia e doutrina políticas, declara que o povo chinês deve estar comprometido com a linha de pensamento de Mao Tsé-Tung, marxista leninista, com a teoria de Deng Xiaoping e com a dos Três Representantes e, por último, com a doutrina de Xi Jinping sobre o socialismo nesta Nova Era, onde o propósito é tornar o seu “partido marxista” mais forte. O atual presidente chinês enaltece também a importância de aumentar a capacidade de liderança do partido e a sua permanência a longo-termo no governo. Ou seja, a contradição presente na Resolução acabou por baralhar as democracias ocidentais e os restantes países da região.

No que toca a questões económicas, sociais e culturais, o governo chinês voltou a contradizer-se. Ao sublinhar que pretende um ambiente de mercado justo e dinâmico, promove o funcionamento “independente” de empresas monopolistas nas áreas de energia, telecomunicações, infraestruturas, etc. Ao procurar estimular a criatividade dos estudantes e investigadores, cria mecanismos que os orientem a ajudar o país para alcançar os objetivos e, ao estar preocupado com as orientações religiosas, que devem estar alinhadas com a cultura chinesa, o PCC demonstrou não ser capaz de abdicar do seu comportamento autoritário.

A China, ao querer assegurar o seu papel decisório no âmbito geopolítico e tornar-se o centro tecnológico mundial, pretende trazer uma nova abordagem ao sistema internacional. A criação do AIIB (Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas), a implementação do BRI (Nova Rota da Seda) e, por conseguinte, da Digital Silk Road (programa no qual o investimento em infraestruturas está ligado à adoção de tecnologias chinesas por parte dos países beneficiários na BRI) são iniciativas que, da perspectiva chinesa, têm ajudado para a política, infraestrutura, comércio e finanças do país.

Assim, considera que poderá alcançar o domínio económico internacional através de iniciativas que abranjam o maior número de países, criando uma interdependência entre estes a nível financeiro e comercial, promovendo todos os produtos provenientes do Made in China 2025, que visa transformar a China numa central de produção de alta tecnologia, reduzindo a dependência do exterior. Xi sabe que a inovação desempenha um papel fundamental no futuro do sistema internacional e quem tiver a mais sofisticada e avançada tecnologia, terá uma maior probabilidade de se tornar a potência mais poderosa.

Embora o Ocidente ainda não se tenha esquecido dos casos de espionagem e esteja alerta em relação ao risco existente em produtos tecnológicos como as aplicações das redes sociais Tiktok, câmaras de vigilância, Dahua ou Hikvision, ou os drones DJI. Estes produtos têm resultado numa enorme ameaça às democracias e os países ocidentais têm reunido forças para mover os centros de produção de forma a diversificarem o mercado e mudarem as “regras do jogo”.

Apesar disso, um terço do comércio marítimo global passa pelo Mar do Sul da China, que seis países do Indo-Pacífico possuem armamento nuclear e que, entre os dez maiores exércitos do mundo, sete encontram-se na região onde Pequim procura a garantir a sua hegemonia1; isso fará que a capacidade e assertividade militar chinesas se intensifique cada vez mais.

 

1De Mao a Xi de Vasco Rato (2020; p: 228)