Semana de quatro dias: um debate inevitável quando “tudo mudou”

Pedro Gomes, economista e autor do livro “Sexta-Feira é o Novo Sábado”, alerta que “mudou tudo menos a semana de trabalho”. A ideia está a ser aplicada em vários países mas, em Portugal, patrões e sindicatos dizem que não é prioridade. Partidos também não têm pressa.

Trabalhar quatro dias por semana é já uma realidade para muitos trabalhadores de vários países. Por cá, a semente foi lançada na campanha para as últimas eleições legislativas, com António Costa a prometer “um amplo debate nacional e na concertação social”.

O modelo da semana de trabalho mais curta, que ganhou gás durante a pandemia, tem conquistado adeptos um pouco por todo o mundo. Dos Estados Unidos à Islândia e à Nova Zelândia, passando por Japão, Chile e Espanha, muitos são os trabalhadores a usufruírem de um fim-de-semana prolongado todas as semanas.

Ainda esta semana, o Governo belga deu luz verde a um acordo que visa trazer “flexibilidade” ao “mercado de trabalho rígido”, que se traduz na possibilidade de os funcionários poderem escolher se querem trabalhar cinco ou quatro dias por semana (laborando dez horas em vez de oito), sem perda de rendimento.

Ao NOVO, Pedro Gomes, professor universitário em Londres e autor do livro “Sexta-Feira é o Novo Sábado” (apresentado esta semana em três universidades de Lisboa), defende que a semana de quatro dias “é uma melhor forma de organizar a economia do século XXI” e lembra que Portugal fez a transição dos seis para os cinco dias de trabalho há 50 anos. De lá para cá, aponta, “tudo na nossa sociedade e na nossa economia mudou – o trabalho, a velocidade com que comunicamos, a tecnologia, etc. Mudou tudo menos a semana de trabalho. Não há nenhuma razão biológica ou teológica para isso”.

Explicando que a implementação desta mudança não pode ser imediata e que este é um processo que levará entre quatro e seis anos (ou até mais), o economista salienta que não se pode pensar nesta hipótese como uma medida eleitoral ou algo que se põe em prática nos primeiros 100 dias do novo governo. “É um processo” e “há diferentes formas de o fazer”, diz, explicando que a compensação não tem obrigatoriamente de envolver trabalhar mais duas horas por cada dia.

Para a medida avançar é preciso um “consenso” que envolva todos os partidos, sindicatos e patrões. Deverá ser encarada como “um desígnio nacional”, porque em causa está uma “inovação social” que segue o “caminho da civilização”, realça Pedro Gomes.

A questão deve, por isso, ser discutida de “forma civilizada”, sem ser polarizada pelos partidos, percebendo-se quais são os ganhos que o país pode ter, mas também as dificuldades de implementação. Na óptica do economista, a semana de quatro dias de trabalho pode ser utilizada por Portugal “como uma janela de oportunidade para, realmente, fazer mudanças mais profundas na sociedade”, alterando-se a forma como o Estado e as empresas actuam, o que poderá até demover algumas pessoas de emigrarem. Apesar do cepticismo – comparável ao que se verificou com o teletrabalho, sinaliza -, as empresas não devem ficar “assustadas” com a ideia. Devem antes olhar para os casos de sucesso e ver as potencialidades.

Tempo é dinheiro

Reconhecendo que Portugal precisará de mais “coragem” para avançar para a redução da semana de trabalho do que outros países com realidades económicas diferentes (como é o caso da Alemanha, por exemplo), Pedro Gomes argumenta que a solução não passa, no entanto, por “atirar dinheiro para as coisas”, subsidiando isto e aquilo. A solução passa por “dar tempo às pessoas”. E tempo, já diz a velha máxima, “é dinheiro”. “Vamos dar tempo às pessoas e elas vão fazer o que quiserem. Se quiserem ir ao cinema e ao teatro, vão promover a cultura; se quiserem ir aos restaurantes, vão ajudá-los”, exemplifica, lançando um dos argumentos que considera dos mais fortes: “Muitos podem até usar o tempo livre para criar uma nova empresa.”

Outra das vantagens apontadas é a redução do absentismo. “Quem está em empresas com quatro dias de trabalho falta muito menos”, afirma. A medida pode trazer também ganhos na economia como um todo. Três dias de lazer será um estímulo à economia pelo aumento da procura das indústrias pela via do turismo, quer pelos residentes quer pelos turistas de outros países.

“Não é oportuno”

A discussão está lançada, embora nenhum partido tenha prevista qualquer iniciativa neste âmbito, até porque nem governo nem Parlamento tomaram posse. Apesar de ainda não existir qualquer iniciativa, da parte do PS, o assunto terá “pernas para andar”, assegura um deputado socialista ao NOVO. Patrões e sindicatos, apesar de terem visões diferentes, concordam que não é uma prioridade. “Com a falta de mão-de-obra e com todas as alterações que a economia está a sofrer, não é uma prioridade”, diz ao NOVO António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), reconhecendo, no entanto, que há empresas e sectores, principalmente em áreas administrativas, que já praticam a semana de trabalho de quatro dias.

Entendendo não ser o “momento oportuno” para ter esta discussão, a CIP não rejeita apreciar em concertação social as dimensões do futuro do trabalho e da sua configuração. “Não dizemos que não estaremos disponíveis para discutir, mais tarde, noutras dimensões”, reforça, assinalando que o PS não fez uma proposta concreta: “Apresentou uma ideia que, entre outras, terá de ser analisada, discutida. É uma questão que, como outras que a sociedade nos obriga a pensar, teremos de ir incorporando na nossa reflexão.”

Já a secretária-geral da CGTP considera que a ideia do PS sobre a semana de trabalho de quatro dias “não tem conteúdo”, reafirmando que a Intersindical mantém como prioridade a reivindicação da redução do horário de trabalho para 35 horas semanais.

Na campanha eleitoral, António Costa defendeu que este é um “debate que é necessário fazer na sociedade portuguesa” – uma proposta inscrita também no programa do Bloco de Esquerda, partido que, a par do PCP, do Livre e do PAN, batalha pelas 35 horas semanais. Rui Tavares defende mesmo uma progressão até às 30 horas semanais e o aumento do período de férias para 30 dias, até 2030.

Já Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, defende que “as empresas e entidades públicas devem ser livres de definir esse horário se considerarem que maximiza a eficiência da sua gestão e a satisfação” dos trabalhadores. “Não me choca que seja adoptado se tiver provas dadas”, afirmou, em declarações ao NOVO.

Países que aplicaram semana de quatro dias

Espanha
País vizinho testa projecto-piloto, depois de, no início de 2021, o Governo ter aceitado uma proposta do partido de esquerda Más País.

Islândia
A mudança tem sido “um grande sucesso” no país, onde 85% dos trabalhadores já têm a opção de laborar quatro dias em vez de cinco.

Nova Zelândia
Os trabalhadores da Unilever na Nova Zelândia têm a possibilidade, desde 2020, de reduzirem em 20% o horário de trabalho, sem cortes no salário.

Japão
O Japão está apostado em reformular a cultura de trabalho. Para os funcionários da Panasonic, os três dias de descanso já são uma realidade.