Em maio 1958, no auge da Guerra Fria, decorria em Mineápolis uma das reuniões mais importantes da história da humanidade. O ministro da saúde soviético, Victor Zhdanov, representava o país pela primeira vez, ao fim de dez anos, numa reunião da Organização Mundial de Saúde. Apresentou uma proposta revolucionária: criar um programa mundial de erradicação da varíola.

Os Estados Unidos estavam pouco inclinados a aceitar a proposta. O seu objetivo na área da saúde internacional passava pelo combate à malária. Este programa fazia sucesso, especialmente na Europa, onde regiões como a Sardenha, onde a malária era endémica há séculos, finalmente se tornavam livres da doença.

Na troca de argumentos, Zhdanov citou Thomas Jefferson para alavancar a sua proposta: “Nações futuras saberão pela história apenas que a odiosa varíola existiu”, numa tentativa de ganhar simpatias nos norte-americanos. De facto, Jefferson quando proferiu esta profética, mas ainda distante afirmação, a humanidade estava nos primeiros passos da vacinação. Durante a guerra da independência dos Estados Unidos, foi precisamente esta vacina que prestou um valioso contributo para que o novo país conquistasse a sua independência.

Talvez as palavras do terceiro presidente norte-americano tenham sido a chave que permitiu um resultado inédito: as duas superpotências, rivais em tudo, alinharam-se e começaram a cooperar na saúde. A erradicação da varíola tornou-se a prioridade da OMS. A vacina foi produzida em massa em ambos os blocos políticos e a sua distribuição acautelada de forma justa e equitativa. Trata-se do caso mais bem-sucedido de cooperação na história da Guerra Fria.

Há uma lição importante a retirar desta história: se, no auge da Guerra Fria, as superpotências perceberam que cooperação na saúde era indispensável, como é que hoje há quem defenda que os nacionalismos e jogos de soma zero irão resolver alguma coisa?

A diplomacia da saúde europeia ganharia um enorme impulso com uma presença mais robusta e solidária. Para tal, é necessário ter instrumentos que ajudem na consecução deste objetivo. Uma maior presença pública no sector permitiria à União Europeia liderar processos de melhoria da saúde global e garantir maior equidade no acesso a vacinas, antibióticos ou medicamentos antivirais.

A cooperação não é benéfica apenas para a saúde global. Também dentro de portas é a cooperação entre instituições, e não a competição, que contribui para melhorar a saúde de todas e todos nós.

A competição acrescenta custos e complexidade aos cuidados, sem corresponder necessariamente a um aumento do estado de saúde da população. Até o parlamento inglês, dominado pelos conservadores, reconhece que a cooperação é o caminho a seguir.

É preciso relembrar a quem, em Portugal, vê a saúde como uma oportunidade de expandir o mercado e impor a sua visão ideológica baseada na competição que foi sempre a cooperação que melhorou a nossa saúde. A verdadeira urgência está em melhorar a integração de cuidados. É preciso dar um sinal claro ao serviço público de saúde de que as reformas com vista à melhoria da cooperação entre instituições e o caminho para centrar os cuidados no cidadão não podem parar.

Enfermeiro da Urgência Pediátrica e coordenador da Unidade de Saúde Pública Hospitalar do Hospital Fernando Fonseca