Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações…
(…) Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
Fernando Pessoa

Faço, de novo, uma declaração de interesses: sou fumadora, facto de que não me orgulho mas que também não me provoca arrependimentos. Escrevo, portanto, nesta condição mas, acima de tudo, porque não tolero um Estado que me procura higienizar à força, numa política da saúde que está a ganhar contornos de ditadura.

É evidente que ninguém pode invocar desconhecimento quanto aos danos que os cigarros e produtos afins provocam. É também evidente que algumas das medidas que foram sendo tomadas ao longo dos anos fizeram sentido, quanto mais não seja para evitar que os não fumadores tivessem de suportar os danos causados pelos demais.

Aqui chegados, do que se passará a tratar com a entrada em vigor da legislação não é de acautelar os cidadãos, mas punir, ainda que de forma disfarçada, os que puxam de um cigarro.

Se se podem perceber algumas das novas proibições quanto aos locais onde o fumo é admitido, as restrições aos tipos de tabaco e aos respetivos locais de venda só pode visar uma repressão que, curiosamente, não é replicada para outros consumos.

Não estamos longe do dia em que seja mais fácil comprar e fumar um charro do que um vulgar cigarro e, para os grandes apoiantes desta lei, isto deve ser dito claramente.

Por outro lado, não deixo de assinalar a manifesta hipocrisia de quem diz querer pugnar pela saúde dos cidadãos mas deixa a descoberto centros de saúde e hospitais, obrigando quem recorre ao SNS a fazer quilómetros e quilómetros para ser atendido.

Entrar por este caminho significa abrir a porta a outras medidas que, um dia, poderão ser também apresentadas como grande avanços da sociedade, como seja não nos deixarem beber um copo de vinho, comer doces ou batatas fritas, obrigarem-nos a correr todos os dias ou tirarem-nos os carros para andarmos a pé.

É que, em tese e na prática, não há assinaláveis diferenças entre algumas das restrições anunciadas e racionar-se o prato de comida que cada um de nós pode comer para não ficar obeso, por exemplo.

Daí que, pela minha parte, deixo devidamente consignado: se o Estado quer pugnar pela minha saúde, acabe com os casos de corrupção e com a ineficácia do sistema judicial. Tenho a certeza de que mais depressa morro de ataque cardíaco pela fúria que estes me despertam do que pelos cigarros que fumo com o stresse que o (des)governo me causa.

E continuarei fumando, claro, porque a pedagogia não se faz à custa da repressão e a decisão de deixar de o fazer nunca me será imposta.

Advogada