Reforma das instituições vai dominar nova sessão da ONU

Com o tema da sustentabilidade a ser uma constante na agenda e uma cimeira marcada para se fazer um ponto de situação dos objetivos comuns estabelecidos para 2030, a 78.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas vai ser dominada pela necessidade de reforma das instituições internacionais, incluindo o Conselho de Segurança da ONU, como tem sido reclamado por diversas organizações e entidades, que exigem uma maior representação de países de África e da América Latina.

A78.ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) começou, formalmente, a 5 de setembro, com o juramento de Dennis Francis como presidente e a realização da primeira reunião plenária, sob o lema “Paz, Prosperidade, Progresso e Sustentabilidade”. Dos quatro temas que o diplomata de Trindade e Tobago definiu para o seu mandato, no atual contexto, o tema mais relevante será o primeiro, em que se inclui o questionar da multipolaridade e a guerra provocada pela invasão russa da Ucrânia, e o ponto central dos trabalhos ocorrerá entre 19 e 29 de setembro, no debate geral, em que participam chefes de Estado e de governo.

“A Assembleia Geral da ONU sempre três objetivos diferentes: alguns Estados optam pela abordagem doméstica, falando mais para os seus concidadãos, de assuntos marcadamente domésticos e sem grande impacto global; outros optam por chamar a atenção da comunidade internacional para problemas, quase sempre de natureza bélica, entre vizinhos; e a terceira estratégia, em que por norma se insere Portugal, é a de posicionar o país nos grandes assuntos da agenda internacional”, diz ao NOVO Tiago André Lopes, professor de Diplomacia da Universidade Portucalense.

“Será interessante perceber, além dos países do espaço europeu e da América do Norte, que outros países, por exemplo, mencionarão a questão da guerra na Ucrânia”, acrescenta.

Desta vez, o foco incidirá sobre a transformação das instituições internacionais, incluindo o Conselho de Segurança da ONU, com a abertura a uma maior participação de países emergentes, especialmente de África e da América Latina, o que tem sido defendido com insistência por diversos atores nos últimos meses e com maior intensidade à medida que se aproximava o início da sessão.

“Parece-me que podemos ter reflexos do crescimento anunciado dos BRICS e do G-20 na Assembleia Geral das Nações Unidas. Aliás, creio que um dos conceitos mais utilizados este ano irá ser o de ‘multipolaridade’, seguido pelo de ‘nova ordem mundial’”, diz Tiago André Lopes.

Os BRICS – grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – insistiram, na cimeira de agosto, na reforma profunda das instituições internacionais, nomeadamente a ONU e as que resultaram de Bretton Woods, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, para aumentar a representatividade das economias emergentes e refletir o novo mundo.

Depois, o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, defendeu uma representação africana no Conselho de Segurança. “África está sub-representada nas atuais estruturas internacionais”, afirmou Guterres, este mês, à margem da 43.ª Cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Agora, a Alemanha veio defender uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, com a ministra dos Negócios Estrangeiros a apontar que a última mudança foi feita há 60 anos e que, desde essa altura, a própria Alemanha se reunificou e cerca de 60 Estados tornaram-se independentes em África, na América Latina e na Ásia.

“Exigiram, com razão, uma voz e um lugar à mesa”, afirmou Annalena Baerbock.

A discussão da reforma do Conselho de Segurança começou, formalmente, em 1993, com a Assembleia Geral das Nações Unidas a criar um comité para abordar o tema. É no seguimento deste quadro, e já depois de o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, ter promovido um painel de alto nível “sobre ameaças, desafios e mudança”, que Alemanha, Brasil, Índia e Japão apresentam uma proposta para aumentar o número de membros permanentes e não permanentes. A discussão foi sendo esquecida e secundarizada até agora, em que se coloca outra vez por causa da guerra na Ucrânia, mas também pela insistência na mudança.

Já na última Assembleia Geral da ONU, a 77.ª, muito marcada pela invasão russa da Ucrânia, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Joe Biden, reforçou a necessidade de reforma, sinalizando o apoio ao aumento do número de representantes permanentes e não permanentes do Conselho de Segurança e defendendo que apoiará que países de África, da América do Sul e das Caraíbas tenham membros permanentes.

Na altura, Portugal também apoiou esta disposição e o primeiro-ministro, António Costa, reafirmou a posição portuguesa a favor de uma reforma do Conselho de Segurança para que “o continente africano esteja presente” e para que, pelo menos, Brasil e Índia tenham assento permanente. Este ano, Portugal, que será representado na Assembleia Geral pelo Presidente da República, voltou a manifestar o mesmo, com a representante permanente de Portugal junto da ONU, Ana Paula Zacarias, a defender uma maior “legitimidade, transparência e responsabilização” do Conselho de Segurança.

“Num momento em que as regras do sistema internacional e as válvulas de escape que permitem a alguns atores fugirem a essas regras estão sob questionamento, será interessante ver que propostas alternativas serão apresentadas”, diz Lopes, que, no entanto, aponta que assistiremos a um “acontecimento menos comum, que é a ausência de quatro dos cinco chefes de Estado e de governo dos países que detêm assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Este ano, apenas o presidente Biden estará presente na sessão, com todos os outros Estados a fazerem-se representar pelos seus primeiros-ministros ou ministros dos Negócios Estrangeiros”, o que desvaloriza a sessão. Além dos EUA, têm assento permanente no Conselho de Segurança Alemanha, China, França, Reino Unido e Rússia.

Sustentabilidade na agenda
Apesar de a reforma das instituições ser o tema dominante, a Assembleia Geral das Nações Unidas vai incidir sobre as questões relacionadas com a agenda dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), que necessita de um novo esforço, de um “processo de aceleração”, como diz ao NOVO Sabrina Evangelista Medeiros, professora da Universidade Lusófona.

“O que está em agenda é um aumento do nível de compromisso em relação ao clima e que esses compromissos aconteçam de modo a haver metas intermédias, antes da proposta final, e que o Acordo de Paris possa ser implementado nas suas fases com compromissos parciais”, afirma.

A cimeira dos ODS decorrerá a 18 e 19 de setembro de 2023 e tem como tema a realização de uma revisão abrangente do estado dos 17 ODS, quando estamos a meio caminho da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Segundo a própria ONU, “pela primeira vez em décadas, o progresso do desenvolvimento está a inverter-se sob os impactos combinados das catástrofes climáticas, dos conflitos, da recessão económica e dos efeitos persistentes da covid-19”, e este será o pano de fundo da cimeira. E Dennis Francis, na sua primeira intervenção como presidente da Assembleia Geral da ONU, enfatizou que esta é uma “oportunidade crítica” para reforçar o progresso em direção aos objetivos definidos e que marcará o tom para a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável nos próximos sete anos e, também, para a sessão das Nações Unidas que agora tem início.

“Não tenho dúvida de que a cimeira que trata dos ODS é a agenda mais relevante no que toca à multilateralidade da ONU hoje”, diz Sabrina Medeiros.

Artigo originalmente publicado na edição do NOVO de 9 de setembro