O embaixador russo em Angola considerou que a reação de Portugal aos acordos assinados com São Tomé e Príncipe foi “exagerada” e criticou a pressão do Ocidente sobre os países africanos que querem cooperar com a Rússia.

Em entrevista à Lusa, em Luanda, o embaixador russo, Vladimir Tararov, considerou que este tipo de acordos é “uma coisa habitual, chama-se cooperação entre Estados independentes”, e sublinhou que a Rússia faz “amizades em prol da cooperação”.

Em abril, os Governos de São Tomé e Príncipe e da Rússia assinaram acordos de cooperação técnico-militar que preveem, entre outros aspetos, a deslocação de navios e aviões de guerra ao arquipélago, o que foi encarado por Portugal e outros países europeus com “apreensão e perplexidade”, segundo disse na altura o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel.

“Não há nada específico nesses acordos, isso não é contra alguém”, contrapôs o diplomata, que considerou a reação de Portugal “bastante exagerada”.

“Quando Portugal assina acordos com outros países que estão perto do nosso país, ou da ex-União Soviética, nós não temos esse ciúme”, destacou Tararov, afirmando que a Rússia aplaude todo o género de cooperação “em prol da paz”.

Sobre o acordo com São Tomé, adiantou que envolve também cooperação na área humanitária, através das Forças Armadas, como por exemplo ações de resgate em catástrofes ou segurança no espaço marítimo.

Vladimir Tararov disse que a Rússia não tem planos específicos de aproximação aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), mas sim acordos de cooperação técnico-militar com todos os países, admitindo, no entanto, a proximidade com algumas antigas colónias portuguesas “que se libertaram” com a ajuda da antiga União Soviética.

“Inicialmente, ajudámos no domínio militar, porque ajudámos a combater o colonialismo“, declarou, acrescentando que a Rússia alargou depois a cooperação à formação de quadros, entre outras áreas.

Tararov questionou a influência de outros países como a França, por exemplo, que “tem também o seu contingente militar em África e isso não provoca nenhuma reação”.

O diplomata sublinhou que o apoio russo depende sempre de um convite.

“Nós cooperamos sempre, mas nunca invadimos nenhum Estado”, realçou, apontando o Afeganistão e a Síria, que “convidaram a Rússia [a intervir] para acalmar as coisas”.

“Mas nunca colonizámos nenhum país nem na África nem na Ásia”, reforçou, dizendo que “a Ucrânia é um caso específico” que resultou de “um divórcio à pressa” com a União Soviética, em que não foram cumpridas as regras nem preparadas as condições de saída, o que “minou o processo” e levou ao “desentendimento”.

A outra vertente, acrescentou, é a “segurança nacional”, já que a Rússia estava pronta para assinar um acordo de paz, ”exigindo apenas a desnazificaçao e o estatuto neutro da Ucrânia e não adesão aos blocos militares”, o que não foi concretizado, disse.

Criticou, por outro lado, as potências ocidentais por fazerem chantagem e pressionar os países que são parceiros da Rússia dando o exemplo de São Tomé e Príncipe, e insistindo que os acordos não representam “qualquer perigo”.

“Nós podemos provar isso, nós vivemos isso, comunicamos com os Governos dos países africanos e vemos essa pressão”, inclusive nas votações das Nações Unidas, frisou o diplomata, negando que a Rússia adote a mesma estratégia.

“O Ocidente, começando pelos EUA, dita a sua vontade a esses países (…) e nós temos de contrapor alguma coisa a essa ofensiva”, indicou, sublinhando que é preciso “países livres, independentes, soberanos” que expressem a sua vontade na arena internacional sem ter medo de “castigos”.

Questionado sobre a aproximação de Angola aos Estados Unidos, Tararov disse que a Rússia nunca pressionou Angola, que “é livre de escolher os seus parceiros”.

“Se decidir cooperar com os Estados Unidos, isso quer dizer que nós podemos propor outra alternativa viável e cooperar noutro domínio, mas isso não é pressão”, esclareceu.

Quanto à forma como está a ser negociada a saída da gigante russa dos diamantes Alrosa de Angola, adiantou que se trata de “questões comerciais” e que a Embaixada acompanha apenas para que sejam cumpridas as regras.

“Essas decisões dependem da parte angolana. Se a parte angolana achar inconveniente cooperar com a Rússia nesse sentido, nós vamos compreender, nós vamos aceitar”, garantiu.

Mas questionou: “nós estávamos bem, de onde veio isso?”, disse apontando novamente a pressão do Ocidente e dando como exemplo as 20 mil sanções unilaterais aplicadas contra a Rússia, que considerou “ilegais” e que tocam não só a Rússia, mas os seus parceiros, incluindo em África.

O Governo angolano assumiu que as sanções afetam a comercialização dos diamantes da mina de Catoca – em que a Alrosa é parceira da estatal diamantífera Endiama – e estará a negociar a saídos dos russos.