O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou neste domingo através de uma carta publicada nas redes sociais, o abandono da corrida às eleições presidenciais. Uma carreira política com mais de 50 anos, sobretudo no Senado; uma vice-presidência com Barack Obama; e uma vitória contra Donald Trump, em 2020, não foram suficientes para desviar as atenções (e pressões) de vários quadrantes, em particular do Partido Democrata, assustados pela perceção existente entre o eleitorado de um Comeback Joe demasiado velho e incapaz para derrotar o candidato republicano em novembro.

Esta retirada histórica – já por si abalada pelo atentado contra Trump – lançou para território incerto, a vice-presidente Kamala Harris. Todavia isto não significa que ela seja automaticamente a candidata democrata à presidência. Por dois motivos, o primeiro porque nem Biden havia ainda sido oficializado como candidato; e segundo, Kamala não é agregadora de consensos dentro do partido. Ademais se se analisar os traços caracterizadores do sistema eleitoral americano, outros nomes poderão surgir e que, pelas regras do Partido Democrata, ainda podem apresentar a sua candidatura. De qualquer modo, a escolha oficial do candidato democrata só será conhecida na Convenção Nacional Democrata de 19 a 22 de agosto em Chicago.

O que joga a favor de Kamala Harris?

Sem deslizes semânticos, à primeira vista, parte em melhor posição do que Biden, tendo em conta a queda contínua do Presidente nas sondagens ao longo das últimas semanas. A sondagem nacional da CNN aponta uma percentagem de apoio a Trump de 48% e de apenas um ponto percentual a menos para Kamala Harris.

Mas, uma vez mais, não é assim tão simples porque na política norte-americana as intenções de voto a nível nacional não se traduzem automaticamente no resultado eleitoral. Com um sistema onde cada estado elege eleitores para o Colégio Eleitoral – e este sim vota no Presidente – faz com que a decisão da eleição na prática dependa de alguns estados-chave, habitualmente chamados swing states por não terem uma tendência de voto sólida (como a Califórnia historicamente democrata ou o Kansas, onde vence repetidamente o candidato republicano). Portanto, não é certo que Kamala Harris consiga ter melhores resultados que Biden em muitos deles.

Como também está longe de ser um dado adquirido que Kamala terá um melhor resultado do que teria Biden naquilo a que chamaram de Blue Wall (Muralha Azul) – estados tradicionalmente democratas que, na eleição de 2016, acabaram por cair alguns para Donald Trump à custa do eleitorado branco operário do chamado Rust Belt da Pensilvânia, Ohio, Michigan e Wisconsin. Não foi por acaso que Trump escolheu Vance como candidato a vice-presidente, que tem tudo para se sair bem nesta faixa do eleitorado americano.

Vista como mais progressista do que Biden, está associada a pastas difíceis como a da imigração e a do aborto que podem ajudar a motivar uma base eleitoral consistente do partido e mobilizá-la para votar a seu favor. Por outro lado, o facto de ser uma mulher de origem negra e asiática é um forte incentivo para mobilizar esses mesmos eleitorados e outras minorias raciais, numa altura em que alguns se distanciavam de Biden a propósito de questões internacionais como a guerra em Gaza.

Quão mau pode ser a eleição de Donald Trump?

Durante meses, as sondagens mostraram que Donald Trump tinha grandes hipóteses de vencer a corrida presidencial de 2024 e, depois do desempenho desastroso de Joe Biden no debate e a sua desistência a três meses das eleições, a vitória de Trump parece ainda mais provável. Mas quão ruim poderá ser o segundo mandato de Trump?

As previsões anteriores permitem uma desinquietação futura. A designada “Agenda 47” ou Projeto 2025, com mais de 900 páginas, prevê a demissão de milhares de servidores públicos, expansão dos poderes do presidente, desmantelamento do ministério da Educação e de outras agências do governo federal e cortes de impostos. Mas esta agenda é mais do que uma ideia, é um plano distópico que já está em curso para desmantelar instituições democráticas, abolir pesos e contrapesos, erodir a separação entre Igreja e Estado e impor uma agenda de extrema-direita que ataca as liberdades básicas e viola a vontade pública.

Em termos de política externa o cenário também não é animador. Desde já o corte no apoio à Ucrânia em ajuda militar e a sua promessa de acabar com a guerra “dentro de 24 horas”. Ele não disse como, mas o comentário levantou preocupações de que a Ucrânia poderia ser pressionada a ceder território à Rússia.