Se em 1998, no auge do ataque conservador à infidelidade de Bill Clinton, nos tivessem dito que o líder do Partido Republicano em 2024 estaria a ouvir em pleno tribunal, num julgamento criminal, detalhes do seu caso extraconjugal com uma atriz pornográfica, poucos acreditariam. Acreditariam menos ainda se alguém sugerisse que esse candidato seria considerado uma espécie de segundo Jesus Cristo para as comunidades evangélicas e para a direita religiosa.

No entanto, é precisamente isso que se verifica na atualidade, com Donald Trump, que tem passado as últimas semanas no Tribunal Criminal de Manhattan a defender-se de 34 acusações de crimes de falsificação de registos comerciais relacionados com um pagamento de milhares de dólares à estrela pornográfica Stormy Daniels.

Esta semana foi a vez de a própria antiga atriz testemunhar como o conheceu em 2006 e contar pormenores sobre a única vez que tiveram relações sexuais, mesmo quando já era casado com Melania e o seu filho mais novo, Barron, era apenas um recém-nascido.

Independentemente do caso judicial em questão, poucos duvidam da veracidade desta história. Essa narrativa teria sido fatal para qualquer candidato republicano nas últimas décadas, mas não em 2024 e especialmente não com Trump, que um dia afirmou que podia matar alguém na Quinta Avenida, em Nova Iorque, e continuaria a ter apoio popular. E tem razão.

Acredito firmemente que o culto em torno de Trump será tema de estudo durante décadas e marcará um ponto de rutura com a tradição e história do Partido Republicano. Há um antes e um depois de Trump e duvido que haja ponto de retorno. Será mais fácil, no entanto, encontrar uma explicação para a sua competitividade nesta eleição presidencial, que talvez tenha uma única causa: Joe Biden.

Dificilmente Trump teria hipóteses de ser eleito se o seu adversário fosse um candidato mais convencional, como Gavin Newom, governador da Califórnia, ou Josh Shapiro, governador da Pensilvânia. Joe Biden tem, neste momento, taxas de aprovação mais baixas do que os últimos três presidentes reeleitos nesta altura: Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama. É também mais impopular que o último presidente que não foi reeleito: o seu agora adversário.

Obviamente, o mesmo se pode dizer de Biden: a sua única hipótese de reeleição reside no facto de o seu adversário chamar-se Donald Trump. Ainda esta semana, numas primárias onde concorreu sem oposição, no estado do Indiana, Trump apenas teve 78% contra 22% de Nikki Haley, que se retirou da corrida já há longos meses. Muitos republicanos e conservadores recusam-se a votar nele e não se prevê que a situação se altere até novembro.

Com outros processos judiciais em andamento, diria que é ainda imprevisível o impacto que este caso terá no eleitorado. Dentro de semanas saberemos se será condenado, havendo quem acredite que poderá mesmo ter de cumprir pena de prisão efetiva.

Em novembro poderemos ter pela frente um condenado e um idoso extremamente impopular, que a maioria dos americanos acredita não ter as condições mentais para exercer o cargo. O que deixará muitos a lamentar pelas opções que os maiores partidos americanos escolheram para levar a votos na eleição presidencial.

É neste contexto que Robert F. Kennedy Jr. tem aparecido consistentemente nas sondagens, com valores interessantes há meses, quase sempre acima dos 10%. É um fenómeno que persiste em não desaparecer e que poderá ser fundamental para o desfecho das eleições. Diria que, se Trump e Biden continuarem com prestações medíocres no debate público, este candidato independente poderá mesmo ser decisivo. Permanece a incerteza sobre quem será mais prejudicado pela votação do filho de Bobby Kennedy.

Especialista em política norte-americana