O nosso Serviço Nacional de Saúde tem sido várias vezes notícia, embora raramente pelos bons motivos. Seja pela crise nas urgências, onde, cada vez mais e durante mais dias, os blocos de partos estão condicionados, seja pelo aumento do número de cidadãos sem acesso aos cuidados de saúde primários.

Os dois problemas combinados são um perigo real para a saúde e bem-estar. As urgências sempre foram a rede de salvaguarda do nosso ecossistema de saúde. Um serviço que está sempre aberto e disponível, seja a que horas for, para resolver os problemas de saúde das pessoas. Pela dificuldade de acesso que o SNS tem apresentado aos cuidados de saúde primários, conjugado com a literacia em saúde aquém do ideal, é natural que parte da utilização destes serviços possa ser considerada como injustificada. Mas este é um problema que cai para segundo plano, a prioridade deve ser a criação de alternativas e fluxos de doentes alternativos viáveis.

É com muita preocupação que oiço e leio cada vez mais vozes a exigir que a utilização dos serviços de urgência seja efetuada apenas por referenciação. Há um problema de sobrelotação destes serviços. É inegável! Mas a solução não é punir mais o cidadão, e restringir (ainda mais!) o acesso aos cuidados de saúde. A solução só pode ser criar fluxos que drenem doentes dos serviços de urgências para 1) consultas de especialidade hospitalar, 2) cuidados de saúde primários ou 3) dando maiores competências e responsabilidades a outros profissionais, para consultas efetuadas por enfermeiros especialistas.

Se temos um problema de acesso aos cuidados de saúde, a solução nunca poderá ser restringir o pouco acesso que há.

Nem tudo está mal no serviço público de saúde. Temos conseguido bater recordes de produção ano após ano, tanto nas consultas de especialidade hospitalar, como nas cirurgias. Há novos modelos de gestão intermédia a serem implementados, cujas avaliações preliminares são bastante positivas, com melhoria do acesso, da produtividade e eficiência. Quando existem os recursos suficientes e concedemos autonomia aos profissionais, os resultados surgem e são benéficos para todos.

Mas há um problema de base que se tem agravado ano após ano. As carreiras e salários dos profissionais há muito que estão desfasados e desadequados. A própria OCDE alerta para este problema. Nos seus relatórios, os médicos e enfermeiros que trabalham em Portugal surgem sempre na base, muito abaixo da média, quando o tema é remunerações. Se juntarmos o pouco investimento em equipamentos e infraestrutura, não admira que a retenção de profissionais seja uma missão praticamente impossível.

Sem profissionais de saúde não há cuidados de saúde. Precisamos de dar prioridade à retenção do nosso talento humano, criando condições para o seu desenvolvimento profissional. O SNS já não lidera na área da formação e, se nada for feito, poderá perder a liderança na investigação. Estes também são fatores que ajudam a reter profissionais e não devem ser menosprezados.

O nosso SNS consegue ser bastante eficiente e responder não apenas à procura, como às necessidades em saúde. Precisa de apoio político, tanto do titular da pasta da saúde, como das finanças, para resolver os problemas do setor. Não podemos continuar na cauda da Europa, com o título nada honroso, de ter os profissionais mais mal pagos da OCDE. Não há sistema, por muito bom que seja, que resista sem trabalhadores de saúde.

Enfermeiro. Candidato a Bastonário da Ordem dos Enfermeiros