A politóloga norte-americana Cathryn Clüver Ashbrook prevê, com “100 por cento” de certeza, a ocorrência de atos violência após as eleições presidenciais nos Estados Unidos, que terão lugar no dia 5 de novembro.

Questionada pela Lusa em Lisboa sobre a probabilidade de casos de violência pós-eleitoral, a politóloga afirma que é de “100%”, apontando estudos recentes que mostram que perto de um terço dos norte-americanos acham que alguma forma de violência política é justificada em certas causas.

“Se temos um terço do público americano que acha que isso seria aceitável, e isso inclui ambos os lados políticos, é preocupante”, afirmou em entrevista à Lusa.

Uma sondagem de 2022 realizada pelo Center for Democracy and Civic Engagement indicou que um terço dos americanos justificam actos de violência contra o governo.

Cathryn Clüver Ashbrook é politóloga, consultora sénior da Bertelsmann Stiftung e, juntamente com o embaixador americano, Nicholas Burns, co-fundadora e responsável, durante mais de uma década, pelo Projeto “Futuro da Diplomacia” na Harvard Kennedy School.

Ashbrook foi uma das figuras presentes na 6ª Conferência de Lisboa deste ano, intitulada “Um Mundo Dividido”, composta por vários painéis que abordaram os diferentes desafios que ameaçam o mundo atualmente, caracterizado pelo multilateralismo, pelo enfraquecimento da globalização e pelo regresso a medidas protecionistas.

As eleições de 05 de novembro opõem o ex-presidente Donald Trump, candidato pelo Partido Republicano, a Kamala Harris, atual vice-presidente que encabeça a candidatura democrata.

A previsão de Ashbrook de violência pós-eleitoral resulta de um cenário marcado por “eleições muito disputadas e muito renhidas”, exacerbadas pela presença de “milícias ou sub-milícias muito organizadas, com uma estrutura de nós muito descentralizada”.

A politóloga refere grupos organizados como os Proud Boys, que junta militantes de tendêcia neofascista fiéis a Donald Trump, que promove e realiza actos de violência política desde 2016 e tem vindo a desenvolver um sistema que permite manter-se indetetável, de tal forma que “nem o Estado Islâmico conseguiu o que os Proud Boys conseguiram”.

Um dos objectivos deste grupo passa pela desestabilização do conceito de democracia institucional, do controlo governamental, de modo a provocar dúvidas sobre o funcionamento do sistema democrático, com vista a “promover uma narrativa de uma espécie de homem forte, de uma estrutura forte”.

Na entrevista à Lusa, Ashbrook recordou ainda o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos, a 6 de janeiro de 2021, onde sete pessoas foram mortas em resultado da incitação dos membros do Partido Republicano aos seus eleitores para que se tornassem “defensores da sua democracia”.

No entanto, e apesar da violência observada nesse dia, se “perguntarmos a muitas pessoas que lá estiveram no dia 06 de janeiro como entendem o seu papel, dirão que estavam lá para defender a sua democracia”.

O risco do Projeto 2025

A cientista política Cathryn Clüver Ashbrook alertou, também, que o Projeto 2025, ligado ao candidato republicano às eleições presidenciais, Donald Trump, inclui diversas ameaças à democracia norte-americana e ao Estado de direito.

O Projeto, concebido de forma independente por um centro de investigação norte-americano para um cenário de vitória de Trump, “é um plano mais amplo, de longo prazo e com maior escopo para mudar completamente os princípios fundamentais da democracia americana, e [o candidato republicano) é uma figura de destaque nesse processo”, disse Cathryn Ashbrook, em entrevista à Lusa em Lisboa.

A investigadora salienta que este roteiro visa “desmantelar o Estado administrativo, colocar o Departamento de Justiça sob o controlo do executivo, desmantelar todas as agências especializadas que trabalham de forma independente, incluindo a Reserva Federal, e colocar tudo sob o controlo do executivo”.

Iniciativa política lançada em 2022 pela Heritage Foundation, um centro de pesquisas conservador, assumindo a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2024, o Projeto 2025 contempla um conjunto de reformas profundas do governo federal dos Estados Unidos para centralizar o poder executivo com base em conceitos ultraconservadores.

Este modelo visa operacionalizar “as chaves administrativas necessárias para tornar realidade a estratégia e as ideias” dos setores mais conservadores do pensamento político norte-americano”, acrescentou.

Trump tem procurado publicamente distanciar-se da iniciativa da Heritage Foundation, mas simultaneamente têm surgido vídeos de intervenções suas em que elogia o Projecto e os seus autores, e mesmo nalgumas intervenções não esconde simpatia e até ameaça com medidas radicais no seu mandato.

Num dos seus comícios de campanha, o próprio Donald Trump assumiu recentemente objetivo que “daqui a quatro anos [num final de um segundo mandato presidencial, os eleitores] não vão precisar de votar outra vez”: “vamos resolver tudo tão bem que não vão precisar de votar”.

Ashbrook alertou ainda para o envolvimento do candidato à vice-presidência, J.D. Vance, pois enquanto “Donald Trump é uma figura de proa do movimento, que vai garantir que este movimento chegue à Casa Branca, Vance é um político muito mais estratégico, tal como os responsáveis pela elaboração do Projeto 2025”.

No entanto, a politóloga norte-americana recordou que o Projeto continua a ser apenas um plano, que enfrenta vários obstáculos que dificultam a sua concretização dada a “diversidade do país, a mobilização dos eleitores do lado democrata e as maiorias no Congresso”.

Cathryn Clüver Ashbrook é uma cientista política cuja investigação se centra nos actores da geopolítica, nas relações transatlânticas e na arquitetura da segurança internacional e é atualmente consultora sénior da Bertelsmann Stiftung.