A escalada de protestos das forças de segurança até 10 de março pode tornar-se incontrolável, instalada que está nas corporações policiais a “teoria do bandido – já não há nada a perder”. O aviso é da plataforma composta por sete sindicatos da Polícia de Segurança Pública (PSP) e por quatro associações da Guarda Nacional Republicana (GNR). Reunidos num hotel de Lisboa, no dia 6, os dirigentes daquele organismo exigiram que o Governo assuma, no imediato, um compromisso provisório relativamente ao suplemento de função para que os elementos das forças de segurança sejam colocados num plano de igualdade com os inspetores da Polícia Judiciária (PJ). Caso contrário, alertaram, as iniciativas de protesto inorgânicas poderão irromper de forma espontânea e incontrolável e cada vez mais radicalizadas.
A reunião da plataforma realizou-se num hotel de Lisboa, na presença de jornalistas. A certa altura, uma inversão de papéis, os profissionais da comunicação foram questionados por alguns dirigentes: “Podem explicar-nos, além do racional, que parece não existir, qual é a verdadeira motivação do Governo ao aumentar o subsídio de função da Polícia Judiciária (PJ) esquecendo as restantes forças policiais?” E insistiram: “Qual foi a verdadeira motivação?”.
A função dos jornalistas é fazer perguntas e, nesse sentido, devolveram a a questão. A resposta surgiu em jeito de interrogação: “Parece haver uma motivação qualquer!” A dúvida ficou por esclarecer, mas nos corredores sussurrava-se que o Governo terá pretendido acalmar os inspetores da PJ por, de repente, verem chegar outros inspetores, oriundos do ex-Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, com salários superiores. Esta tese foi sendo desconstruída à medida que se comentava, ainda com os jornalistas presentes, que, afinal, também os agentes das secretas, do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), foram igualmente bafejados com aumentos no “ónus específico”, equiparado ao suplemento de função da PJ, e nos ordenados.
Com todas as interrogações no ar, e ainda surpreendidos com os aumentos também no SIRP, o dirigente do Sindicato Unificado da Polícia (SUP), da PSP, Humberto Carvalho, deu conta da revolta generalizada nas corporações e lançou o alerta para um eventual descontrolo sobre as iniciativas de protesto inorgânicas e isoladas que possam ocorrer, totalmente à margem da Plataforma. “É a teoria do bandido – perdido por um, perdido por mil”, ou “vale tudo quando já nada há a perder”, disse.
Segundo aquele dirigente “o mal-estar está efetivamente instalado em todas as forças de segurança”, registando-se protestos isolados e inorgânicos, como os ajuntamentos espontâneos nas ruas e às portas de esquadras e de postos, assim como iniciativas pessoais suscetíveis de serem conotadas com protestos, como foram as baixas médicas apresentadas por 13 elementos da PSP, as quais, por falta de efetivos policiais para garantir a segurança, causaram o adiamento do jogo de futebol entre o Famalicão e o Sporting, no dia 3. Nesse mesmo dia, cerca de 40 polícias destacados para o jogo FC Porto-Rio Ave também apresentaram baixa, mas a partida realizou-se. No dia seguinte, o jogo de futebol da II liga entre o Leixões e o Nacional teve de ser adiado por falta de elementos da GNR que apresentaram igualmente baixa médica, tal como o fizeram, antes do jogo Benfica-Gil Vicente, 44 elementos da Unidade do Corpo de Intervenção (UCI) da PSP, sem consequências para a realização do espetáculo. No dia 5 esteve em risco o jogo Vizela-Vitória de Guimarães por causa da baixa médica de dez militares da GNR, mas a partida manteve-se.
Em reação, a Direção Nacional (DN) da PSP decidiu extinguir o grupo operacional da UCI destacada para o Estádio da Luz no dia 4, e transferir os membros para outros grupos idênticos, com o aviso do diretor-nacional, o superintendente-chefe Barros Correia: Serão tomadas “todas as iniciativas que permitam a manutenção da ordem e a paz públicas, a segurança dos portugueses e de quem nos visita”.
As primeiras baixas foram apresentadas no dia 2, quando alguns elementos da PSP de Braga e da esquadra do aeroporto de Lisboa quiseram entregar as armas de serviço, mas como o superior hierárquico não autorizou, optaram pela ida ao médico.
No seguimento destes “imprevistos”, a DN da PSP abriu inquéritos para apurar a autenticidade das ausências por motivos de saúde. O comando-nacional da GNR optou por ordenar a apresentação de todos os doentes nos centros clínicos da corporação de Lisboa e Porto. Neste caso, os médicos da instituição decidiram validar a baixas depois de observarem os militares.
A atitude do DN da PSP, mais radical, terá sido forçada pelas declarações do ministro da Administração Interna (MAI) que o comissário da PSP Bruno Pereira, porta-voz da Plataforma, considerou “incendiárias”.
Depois dá suspensão dos dois jogos de futebol, o ministro José Luís Carneiro reuniu com os dirigentes da PSP e da GNR. No final, declarou aos jornalistas: “Todos os novos indícios que possam estabelecer uma relação entre o incitamento à insubordinação e eventual ligação a movimentos extremistas” serão participados ao Ministério Público. E sublinhou: “O direito à manifestação” dos polícias é “legítimo”, mas “tem limites”. E quais são os limites? Segundo o governante, “o limite é o da garantia do cumprimento da missão que está confiada às forças de segurança e todos os atos que atentem contra esses deveres serão objeto de participação disciplinar e, eventualmente, participação criminal.” Entretanto, o MAI abriu um inquérito urgente, através da Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI), em especial às generalizadas e súbitas baixas médicas”.
Os dirigentes sindicais e associativos da Plataforma não gostaram nem da postura nem das declarações do ministro. No final da reunião de dia 6, aquele organismo de defesa dos direitos das forças de segurança emitiu um comunicado em que se pronunciou pelo “frontal repúdio pelas declarações proferidas pelo MAI, as quais, para além de ingratas, foram despropositadas e ofensivas”.
Também esta semana o Primeiro-Ministro demissionário, António Costa, dirigiu uma carta ao porta-voz da plataforma sindical e presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícias, (SNOP) Bruno Pereira, dizendo que “o atual Governo não dispõe de legitimidade para negociar ou decidir a matéria que tem vindo a ser reivindicada”, frisando que, estando em gestão, “carece de legitimidade constitucional e política para decidir sobre despesas permanentes”, remetendo eventuais negociações para o futuro executivo.
Os dirigentes da Plataforma refutam a posição de António Costa defendendo a possibilidade de o Governo assumir já um compromisso provisório que o próximo Governo poderá transformar em definitivo. Bruno Pereira esclareceu que quer o PS, resultado de conversas com Pedro Nuno Santos. quer o PSD, resultante de conversas com Luís Montenegro, estão disponíveis para negociarem a atualização do subsídio de função para as forças de segurança, tal como aconteceu com a PJ e o SIRP. Até às eleições, a insistência no acordo provisório vai continuar sendo certo que para a Plataforma nem as baixas médicas são consideradas protestos, porque se trata de atos médicos, nem as iniciativas inorgânicas, como um eventual boicote à eleições, poderão ser declaradas da responsabilidade dos sindicatos e associações da PSP e da GNR.