Pichardo pode saltar do ouro para o recorde mundial

O atleta português nascido em Cuba reina actualmente no triplo salto e juntou o título mundial ao olímpico. Ambicioso, quer colocar o recorde nacional na fasquia dos 18 metros. Pode Pichardo voar mais longe e superar o histórico recorde mundial do triplo salto, que tem quase 30 anos?

O hino nacional tocou uma vez durante os Mundiais de atletismo que acabaram este domingo em Eugene, nos Estados Unidos. O responsável por esse momento foi Pedro Pablo Pichardo, que conquistou a medalha de ouro no triplo salto. O seu melhor salto na final surgiu logo à primeira tentativa, com 17,95 metros. Cerca de um ano depois de se ter sagrado campeão olímpico nos Jogos de Tóquio, Pichardo acrescentou o título mundial ao seu palmarés e cimentou a sua posição como o melhor saltador da disciplina na actualidade.

Nascido em Cuba há 29 anos, Pichardo foi acolhido em Portugal e naturalizou-se português em 2017. Após ter vencido a final do triplo salto dedicou a medalha de ouro a Portugal, mas reconheceu que faltou algo: saltar 18 metros. “Eu sou muito ambicioso. Estou feliz, era um título que estava em dívida, mas não vou esconder que queria saltar 18 metros. A época ainda não acabou e vou continuar a tentar”, disse, acrescentando que quer ser o primeiro português a “ultrapassar a barreira dos 18 metros”. Consegui-lo não seria uma façanha inédita para Pichardo que, ainda como cubano, saltou 18,08 metros em Maio de 2015, o seu recorde pessoal. Em Agosto tem nova oportunidade para os 18 metros nos Europeus ao ar livre.

No entanto, há outro recorde que pode estar ao alcance de um atleta de elite como Pichardo. Trata-se do histórico recorde mundial estabelecido por Jonathan Edwards em 1995, nos Mundiais de Gotemburgo: 18,29 metros, uma marca que tem sido insuperável e perdura há quase 30 anos. O próprio atleta britânico admitiu no ano passado, numa entrevista à World Athletics, que esperava conseguir bater o recorde mundial novamente quando ainda competia. “E não, não pensava que ia durar tanto tempo”, frisou. Desde 1995, não faltaram aspirantes de grande qualidade a ultrapassar os 18,29 metros de Edwards. O sueco Christian Olsson dominou o triplo salto no início do século XXI e chegou a conjecturar-se a possibilidade de superar o recorde mundial, mas Olsson não foi além dos 17,79 metros conseguidos nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, onde se sagrou campeão olímpico. A partir de 2007, Olsson foi afectado por uma onda de lesões que não lhe permitiram voltar a estar ao seu melhor nível e almejar os 18 metros. Nelson Évora foi outro dos atletas de topo do triplo salto com capacidade para bater o recorde mundial. Foi campeão mundial em 2007 e olímpico no ano seguinte. O seu recorde pessoal é de 17,74 metros, registado nos Mundiais que o coroaram em Osaka. Quem esteve mais perto de ameaçar o recorde de Jonathan Edwards foi o norte-americano Christian Taylor, que detém a segunda melhor marca da História. Nos Mundiais de Pequim, em 2015, Taylor saltou 18,21 metros e ganhou o ouro, numa prova em que Pichardo foi segundo e Évora terceiro.

Planetas alinhados

Nesta altura, Pedro Pablo Pichardo domina o triplo salto em termos mundiais e é o candidato natural a tentar estabelecer um novo recorde do planeta nesta disciplina. Essa é uma ambição do atleta que representa as cores do Benfica e do seu pai e treinador, Jorge Pichardo. De forma a compreender melhor as qualidades e atributos técnicos que fazem de Pichardo um atleta excepcional o NOVO falou com José Uva, treinador de Patrícia Mamona, a vice-campeã olímpica do triplo salto. “O Pichardo parece ser o protótipo de atleta que tem tudo o que é necessário para ser o melhor saltador do mundo. É longilíneo, leve, muito rápido. Tem grande capacidade de contrariar a deformação, que é uma das características muito importantes no triplo salto. Quando se salta e se vem a grande velocidade, normalmente, o nosso corpo quer usar as nossas articulações para se defender, porque o impacto é muito grande, e ele tem grande capacidade de contrariar isso. É muito forte nesta característica e também é muito reactivo, além de ser dotado de excelente técnica”, analisa.

José Uva assinala que o recorde mundial está ao alcance de Pichardo, mas reconhece que ultrapassá-lo não é tarefa fácil e sugere que bater o seu recorde pessoal pode servir de motivação para esse desígnio. “Quando o Pedro está no seu melhor nível está sempre muito perto dos 18 metros. Já tem o recorde nacional, 17,98 metros, mas o recorde do mundo é um bocadinho maior. Eu sou treinador e gosto de ter os pés assentes no chão. Primeiro, acho que os atletas têm de se preocupar em melhorar, progredir. E, embora o Pichardo esteja sempre perto do seu melhor, não conseguiu ultrapassar o seu recorde pessoal, que é de 18,08 metros. Se ele conseguir, isso vai servir de boost, motivação extra, para chegar ao recorde do mundo. Acho sinceramente que ele tem todas as características e qualidades para bater o recorde do mundo”, aponta.

O treinador lembra que Jonathan Edwards era “um atleta muito trabalhador que, apesar de ter iniciado a sua carreira com alguns inêxitos ao alto nível, conseguiu através do seu trabalho e da sua melhoria técnica chegar ao recorde do mundo”. Pichardo também sobressai pela sua capacidade técnica, como refere José Uva, mas o treinador lembra que há uma série de condições que também pesam para se concretizar um novo recorde. “Actualmente, quer o Pedro Pichardo, quer alguns atletas que estão neste momento a aparecer, nomeadamente da escola cubana, têm características físicas que podem permitir-lhes almejar chegar a esse recorde. O Pedro Pichardo é um atleta que também é exímio na técnica, tem uma técnica que está muito perto da perfeição. Portanto, se no dia certo, com a temperatura certa, os adversários certos, a motivação certa, se a questão física do Pichardo e a questão técnica estiverem também num dia sim, acho que pode chegar ao recorde mundial. Mas é preciso estarem alinhados alguns planetas para isso acontecer, não é uma coisa fácil de se conseguir.”

Leia o artigo na íntegra na edição do NOVO que está esta sexta-feira, dia 29 de Julho, nas bancas.