A Procuradoria-Geral da República confirmou hoje a receção de um pedido de parecer do presidente da Assembleia da República após o Chega requerer o acesso a mensagens de Marcelo Rebelo de Sousa, no âmbito da comissão ao caso das gémeas.
Em resposta a uma pergunta da Lusa, a Procuradoria-Geral da República refere que “confirma-se a receção, muito recentemente, do pedido de parecer”.
O despacho com caráter prioritário, a que a agência Lusa teve acesso na quinta-feira, foi dirigido por José Pedro Aguiar-Branco ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e nele se solicita uma resposta “com a brevidade possível”.
No documento, refere-se que o Chega apresentou um requerimento, ao abrigo do regime jurídico das comissões parlamentares de inquérito, solicitando ao presidente da Assembleia da República “os bons ofícios para requerer à Presidência da República, se possível em suporte digital, o registo e/ou cópia de todas as comunicações (nomeadamente, cartas, mensagens escritas por meio de telemóvel ou via internet: Whatsapp, Messenger, Telegram e mensagens de correio eletrónico) referentes ao processo das gémeas luso-brasileiras”.
Entre outras coisas, o Chega quer ter acesso a comunicações (cartas, e-mails, mensagens escritas ou outras) entre o filho de Marcelo, Nuno Rebelo de Sousa, e a Presidência da República; comunicações (cartas, e-mails, mensagens escritas ou outras) entre Nuno Rebelo de Sousa e o Governo ou membros do Governo ou membros dos gabinetes do Governo; e e-mail de Nuno Rebelo de Sousa para Marcelo Rebelo de Sousa a 21 de outubro de 2019.
No entanto, no despacho do presidente da Assembleia da República, assinala-se que suscita dúvidas a possibilidade de “inclusão das comunicações e telecomunicações privadas de inquiridos, concretamente o registo e/ou cópia de todas as comunicações (…) no núcleo essencial do direito de inquérito parlamentar”.
Desta forma, “pretende-se uma análise prévia de caráter mais abrangente e que dirima as dúvidas elencadas, ciente de que compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização, vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da administração e que os inquéritos parlamentares têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis”, salienta-se na justificação do pedido efetuado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
No despacho de José Pedro Aguiar-Branco, invoca-se jurisprudência do Tribunal Constitucional.
“Constitui um dado assente que as comissões parlamentares de inquérito são órgãos essencialmente políticos, não sendo, nem podendo transformar-se em tribunais. Daqui resulta que os poderes de investigação daquelas comissões não podem nunca desembocar na prolação de uma sentença condenatória com força de caso julgado, nem podem afetar direitos fundamentais que, em investigação criminal, só podem sê-lo por decisão judicial”, refere-se.
De acordo com a mesma jurisprudência, as comissões parlamentares de inquérito “não visam exercer a função jurisdicional”.
“Mas tão só investigar factos e recolher elementos probatórios relativos a determinadas matérias de interesse público, apresentando posteriormente as suas conclusões ao parlamento e habilitando-o, dessa forma, a exercer eficazmente as suas funções constitucionais, designadamente as de fiscalização de atos do Governo e da administração pública”, acrescenta-se.
Ainda em relação à questão do acesso a comunicações privadas de singulares, adverte-se sobre o “potencial ablativo de liberdade e a gravidade da intromissão na esfera privada – e até na esfera íntima – da pessoa que decorre da simples visualização da respetiva caixa de correio eletrónico”.
Esse potencial, de acordo com a mesma tese, é de tal forma significativo “que devem mobilizar-se, neste campo, as mais intensas garantias que a Constituição confere à inviolabilidade das comunicações e à privacidade dos dados pessoais no domínio da informática”.