Pérola: “Mostro o melhor que temos na lusofonia, para nós e para os outros”

Aos 40 anos, é um ícone da música angolana e lusófona. Esteve oito anos sem lançar um álbum. Regressa agora, depois de ter tido três filhos, e prepara um concerto no Cineteatro Capitólio, a 24 de Junho, em que vai reencontrar um público que tanto adora: o português.

Jandira Sassingui Neto:porquê Pérola? Pérola, porquê?
Porque, bom, na altura, quando eu comecei a cantar e tive a sorte de encontrar um grande músico, que é o Carlos Furtado, quando fui ter com ele, e outros artistas que faziam parte da produtora, encontrei pessoas com nomes artísticos muito esquisitos. Encontrei pessoas com o nome de Sandokan, Negrobué, AVC. Todo o mundo tinha um nome artístico e eu pensei: “O meu nome é Jandira, mas não posso ser Jandira aqui, tenho de encontrar mais um nome.” Então foi assim que pensei em Pérola, feminino, as mulheres gostam… pronto, eu sou a Pérola. E ficou.

Mas com quem se aconselhou sobre esse nome? Foi uma decisão só sua?
Minha, porque eu já usava o nome no MIRC na altura, era o meu nickname; foi o único nome também que me veio à cabeça. “Eu tenho Pérola”, e olharam para mim e pronto. É feminino, está bom.

Após oito anos de interregno está a lançar um novo disco, “Sincera”. Fale-nos um bocadinho sobre o lançamento deste disco.
Bom, este é o meu primeiro álbum, como disse, em oito anos. Lancei o meu primeiro álbum em 2004, “Os Meus Sentimentos”, que era algo assim bem mais clássico, como um álbum cara e coroa, e depois mudei um bocadinho o estilo noutros álbuns e noutras músicas que fui lançando. Senti que os meus fãs sentiam falta do meu lado mais clássico, mais calmo, o amor… com muita coisa a dizer com desabafos e de amadurecimento, crescimento pessoal. E, então, pensei neste álbum desta forma. “Sincera” é um álbum maduro que fala dos verdadeiros sentimentos de mulheres e homens. É um álbum que motiva as outras pessoas a sentirem-se acompanhadas, a sentirem-se abraçadas. É um álbum que fala sobre como a mulher se sente quando está sozinha, quando se sente marginalizada num relacionamento, é um álbum que aborda o amor de várias formas e com várias perspectivas, com histórias verdadeiras e formas de pensar de mulheres com quem tive o prazer de conversar e privar também.

É autobiográfico?
Não necessariamente, mas, obviamente, revejo-me em muitas das músicas porque, para as cantar, tenho de sentir, tenho de, de alguma forma, me identificar como mulher, como ser humano, naquilo que estou a cantar. Então, também tem a ver, obviamente, com aquilo que eu sinto, que é verdade, e com aquilo que gostaria de passar às pessoas.

É filha de uma médica e de um advogado que também foi músico. Houve aí dedo do seu pai?
Para dizer a verdade, houve dedo naquilo que é ser meu pai, mas ele faleceu já há muito tempo. Não tive a sorte de que ele me visse como cantora.

É uma mágoa que tem?
Gostaria imenso, gostaria mesmo, porque ele foi um grande músico, muito bom músico, e gostaria de ouvi-lo dizer o que acha que eu devia fazer melhor, como é que ele me podia auxiliar. Uma das coisas em que me podia auxiliar – e até é um bocado culpa minha – era eu tocar mais instrumentos, porque o meu pai tocava muitos instrumentos e eu gostaria de, se calhar, ter essa capacidade que ele teve. Mas eu gostaria só de o ouvir a dar-me dicas, opiniões.

A Pérola não toca?
Não. Confesso que toquei um pouco de guitarra na igreja mas, hoje em dia, já não.

Como convenceu a sua mãe a ser cantora? Tinha oito anos, não era?
A minha mãe diz até que eu comecei a cantar com dois anos. Eu acho que isso é frescura de mãe que gosta de dizer que a filha começou a cantar muito cedo. Hoje tenho uma filha de dois anos que canta as minhas músicas, vai cantarolando. Então, é verdade o que a minha mãe dizia. Mas a nível familiar, com a minha mãe, foi prático. Ela sempre dizia: “Tu podes fazer aquilo que quiseres, desde que não deixes os estudos, o teu lado académico para trás. Se consegues fazer as duas coisas ao mesmo tempo…” E respondi: “Eu consigo.” E foi assim. Estudei e fui cantando, e fui fazendo minhas coisas desde que nada atropelasse meu lado académico.

A Pérola nunca exerceu?
Não, não exerci.

Enganou a sua mãe?
(risos) Não, não, não a iria enganar. Eu decidi que me iria licenciar e licenciei-me em Direito no ano de 2007. Resolvi terminar o curso. Inclusivamente, na faculdade perguntavam-me porque não fazia o mestrado e tentaram convencer-me a voltar. Mas eu dizia: “Tenho outro sonho, depois volto.”

E arrumou o curso na gaveta até hoje?
Arrumei, mas… Bom, Direito é um curso muito abrangente. É um curso que está em todas as áreas. Então na minha… nos contratos, nos direitos autorais e tudo o mais. Tem algum esclarecimento que me ajuda bastante quando me deparo com contratos e quando tento falar daquilo que são os meus direitos. Mas não pratico assim em nenhum escritório.

Mudou-se do Huambo para Luanda devido à guerra civil. Acredito que não tenham sido tempos muito fáceis. O que relembra desse período?
Como disse, e bem, foram tempos muito difíceis para a minha família, para todos os angolanos. Na altura, nós tivemos de começar do zero, obviamente. Saímos, largámos tudo o que era nosso e fomos para Luanda. Tivemos a sorte de termos familiares lá que nos ajudaram, mas foi mesmo do início, de não ter um sapato para calçar, de não ter uma roupa para vestir. Na altura usávamos batas para ir para a escola; então, nós tínhamos de automaticamente estudar de tarde para esperar as batas dos meus primos que iam à escola de manhã. Viesse suja ou não, era aquela bata que nós tínhamos de usar para ir para a escola de tarde. E foi difícil, em particular para a minha mãe, com três filhos pequenos, começar tudo de novo. Em criança, a pessoa vai gerindo, vai sentindo aquilo que a mãe sente, mas ela passava sempre boa energia, passava-nos sempre esperança, amor. Fomos rodeados destes sentimentos bons que, obviamente, nos fizeram crescer sem sentir tanto… Faltava o nosso tecto, o nosso conforto, mas tornou-me a pessoa que sou hoje.

Depois seguiu para a Namíbia, onde foi descoberta num concurso de talentos.
É verdade. Fomos para a Namíbia porque a minha mãe é médica e trabalhava no sector de saúde das embaixadas. Fomos para a Namíbia e, aí está… o meu lado artístico nunca foge de mim. Eu participava em vários concursos da igreja e da escola. Formei um grupo de dança e foi aí que comecei a cantar e a dançar e n coisas. O bichinho começou a ficar mais forte e, então, disse para mim mesma: “É mesmo isto que eu quero para a minha vida.” Tudo quanto é canto onde eu fosse, onde eu pudesse, onde havia comunidade angolana e não só, cantava sempre um bocadinho.

Depois vai estudar para a África do Sul e é desclassificada num concurso por não ser sul-africana…
(risos) É verdade, aí é que está… [Dois fãs passam pelo Parque dos Poetas, em Oeiras, e dizem a Pérola que ela ainda é mais bonita ao vivo.]Aí é que foi mesmo o ponto de partida. Pensei: “Como não consigo como sul-africana, tenho de procurar alguém, um angolano, para me ajudar então a realizar o meu sonho, que é ser cantora, que é gravar um álbum.” Na altura, nem estava a pensar em gravar um CD a solo, só queria cantar, mas aquilo deu-me assim uma força… É daqueles males que vêm por bem. Deu-me uma força interior de querer algo só meu. Foi a partir daí que eu disse, “vou procurar alguém, vou comprar um produtor, vou gravar o meu próprio álbum”, e tudo começou desde aquele concurso.

Em Angola, além de ser conhecida como cantora, foi apresentadora de um programa de viagens. Isso é uma página encerrada ou gostava de voltar a tentar?
Fui apresentadora de um programa de viagens, o que me ajudou muito na altura da transição entre o português e o inglês e o inglês e o português.

Esqueceu-se completamente do português?
Completamente, estava tudo misturado. Por vezes, hoje, ainda sai um bocadinho misturado. Pensava mais rápido em inglês e saía sempre o inglês. Mas o programa ajudou-me bastante, não só no português, mas também a conhecer um bocadinho mais Angola e outros países. Estive em Itália, fui conhecer o Vaticano, algo que era um sonho para mim; conheci outros lugares lindíssimos, gostei de apresentar. Também apresentei um programa de dança por causa disso e também apresentei o “Big Brother” África do Sul. Não apresentei o programa todo. Fui convidada para fazer uma pequena apresentação da entrada de um participante. E foi em inglês e foi uma experiência muito boa. Mas a música é muito mais forte, tira todo o meu tempo. Para apresentar novamente ia ter de sacrificar um bocadinho o meu lado da música.

É angolana, mas considera-se mais uma artista angolana ou uma artista lusófona?
Bom, inicialmente era aquela coisa, sou uma artista angolana, angolana, angolana, mas, hoje em dia, já não. A minha música já é para além daquilo que eu comecei a pensar no início, que era algo que eu queria fazer apenas para mim, para mostrar o meu talento. Hoje, já represento Angola, já represento a lusofonia. Sou uma artista, acredito eu, que consigo mostrar o melhor que nós temos na lusofonia para nós e para o mundo, porque a nossa música é muito rica. Tudo o que nós temos para oferecer tem uma riqueza própria e que pode chegar a qualquer canto do mundo.

Acredita que a comunidade lusófona, quanto mais unida for, mais forte é no mundo, não só nas artes, mas também na cultura e em tudo o resto?
Acredito que sim, a união sempre faz a força. Se calhar, se houvesse alguma estratégia de fazer com que a nossa música, em conjunto, funcionasse de forma diferente a nível mundial… se houvesse ali uma comunidade ou uma associação, alguma coisa…

Um festival?
Um festival da lusofonia que caminhasse junto podia fazer a diferença. Seria um grito mais alto, seriam mais vozes a falar e a entoar num um só coro aquilo que é a nossa cultura. Acho que faria toda a diferença.

Como se sente acolhida nos outros países lusófonos?
Sou sempre recebida com muito carinho.

Já actuou em todos?
Penso que sim. Amo actuar em Moçambique, vou lá agora, em Maio. Quero repetir Cabo Verde, já lá estive em grupo. São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau…

E o Brasil?
Já lá estive, para um trabalho mais pequeno, mais de comunidade, mas gostaria de ir para um evento maior. Há tanta gente lá… eu sinto e vejo. Por exemplo, nos meus videoclipes, nas minhas páginas das redes sociais, tenho várias pessoas do Brasil a deixarem mensagens: “Vem para o Brasil, vem para o Brasil.” Gostaria imenso de lá ir. Na semana passada, o Alexandre Pires esteve em Angola e eu fui ao espectáculo dele e falámos sobre a possibilidade de eu ir ao Brasil. Portanto, vai ser um prazer poder cantar para um número maior de pessoas no Brasil.

A 24 de Junho vai estar no Cineteatro Capitólio, no seu primeiro concerto em Portugal.
É o primeiro do álbum “Sincera”, depois de muito tempo. Estive cá em 2015, 2016, numa mini-tournée. Estive na FNAC também, a comercializar o meu CD “Mais de mim”, mas o “Sincera” vai ser agora, depois de muito tempo.

Mas a minha pergunta é, isto faz parte de uma estratégia de internacionalização?
Sim, também. Parei com este processo já há algum tempo; então, eu preciso retomar. Parei por motivos pessoais. Sou mãe de três crianças; então, este intervalo tem três nomes. Agora estou muito mais leve, já estão crescidos, e eu consigo dar continuidade.

Que idades têm os seus filhos?
Dez, seis e dois anos.

Crescidos é como quem diz…
(risos)

Se lhe pedisse, como definiria a sua relação com Portugal?
Sinto-me em casa aqui, em Portugal. Verdade seja dita, sinto-me mesmo em casa. Nós gostamos muito de cá estar e, quando eu canto, o público aqui é muito receptivo. É um público que gosta de música, é um público que gosta de festa, de festivais. Então, quando está num show e há um artista, sinto que respeitam muito o artista em palco. Quando o artista diz “vamos vibrar, mãos para a esquerda e para a direita”, eles estão no espectáculo a 100%. Gosto mesmo, de verdade, de cantar para o público português.

Participou na telenovela da TVI “A Única Mulher”.
É verdade.

Gostou?
Gostei, gostei. Foi intenso, não tinha tempo para ficar nervosa porque era tudo muito rápido. Já está tudo montado, então foi intenso, mas foi um prazer muito grande e senti-me assim uma grande actriz.(risos)

Mas também participou com uma música sua, não foi?
Participei com “Fica parado”.

Era uma telenovela que falava muito sobre as relações entre Portugal e Angola. Fez mais sentido para si participar tendo em conta a história?
Sim, claro. Obviamente, é sempre um prazer fazer parte desta paixão, desta comunicação, desta relação entre Angola e Portugal. Esse foi, sem sombra de dúvidas, um dos motivos, mas não só. Aproveitei também para mostrar aquilo que sou como cantora e como actriz, porque lembro-me de ter ido a um restaurante tempos depois e tinha um senhor a olhar para mim: “É a menina que está na novela, não é?” Alguém me reconheceu como a Pérola da novela, e não a Pérola cantora.

Li que já foi vítima de comentários racistas. Sente que hoje há mais ou menos racismo?
Infelizmente, o racismo vai acompanhar-nos para o resto das nossas vidas. Ainda há pessoas que acham que o racismo é normal e vão educar os seus a pensar que é normal; então, é uma luta que vai estar sempre entre nós. Cabe a quem já o percebe fazer o papel de fazer a diferença e mostrar que nós somos seres humanos e que a cor não tem nada a ver com a nossa essência, com o nosso carácter, com aquilo que nós somos, com quem nós devemos gostar e não. Portanto, é um trabalho, nós vamos sempre sensibilizando as pessoas mas, infelizmente, é daquelas coisas que não vão passar.

No mundo da música, já sentiu racismo?
Não, não.

Tem quase três milhões de seguidores no Facebook, dois milhões no Instagram e 140 mil subscritores do seu canal do YouTube. Sente muita responsabilidade por ter tantos fãs?
Sim, também. Sinto, obviamente, muita responsabilidade, muito respeito. Por vezes pergunto: “Mas seguem-me porquê?” Porque nós temos de dar aquilo que os fãs querem. Sou muito, muito grata às pessoas que me seguem, obviamente, mas é um peso acrescido.

Sente-se demasiado controlada, vigiada?
Não, ainda não. A perda de privacidade é assim o lado um bocadinho mais chato nisso tudo, mas eu também tento, desde o início da minha carreira, dosear aquilo que dou aos meus fãs. Apenas dou o meu lado artístico.

Tem o sonho de trabalhar ao lado de Beyoncé. Como está esse projecto?
(risos) Eu já assisti, cá em Portugal inclusivamente, ao espectáculo dela na MEO Arena e foi óptimo. Já a experiência de estar ao lado dela foi muito boa. Se acontecer outra coisa no futuro, vai ser brilhante, vai ser muito bom.

Pode garantir que não vai estar mais oito anos sem lançar um disco?Posso. Não posso ter mais filhos, portanto… (risos) Posso garantir que sim. Tenho de fazer acontecer porque, de facto, eu mesma fiquei surpreendida quando me apercebi que já tinham passado oito anos. Muito tempo!