“Ainda que a política fiscal Portuguesa esteja bem posicionada face à média dos países da OCDE, (…), apresentamos níveis de investimento em I&D em percentagem do PIB inferiores à média da UE27. É possível fazer mais?”

A proposta de Orçamento de Estado para 2024, que tudo indica será aprovada sem alterações significativas a 29 de novembro, em pouco ou nada altera o regime fiscal aplicável à criação, aquisição, utilização ou comercialização de ativos intangíveis. É possível fazer mais, fiscalmente? Como alteramos o défice crónico de criação e utilização de Propriedade Intelectual em Portugal e, por conseguinte, de criação de valor?

Sucessivos governos estabeleceram, e bem, na última década, os três principais regimes de incentivos fiscais com vista ao fomento e apoio às atividades empresariais de Investigação e Desenvolvimento (I&D), nomeadamente ligadas à criação, exploração e comercialização de Propriedade Intelectual (PI), através dos seus direitos e ativos intangíveis. A reforma fiscal do IRC de 2014 determinou a inclusão de gastos fiscais de determinado sujeito passivo para efeitos de amortização durante vinte anos do custo de aquisição de certos ativos intangíveis sem vigência temporal limitada, como marcas, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso, materializada no Art. 45º do CIRC. A criação do regime SIFIDE nesse mesmo ano, sendo posteriormente atualizado (SIFIDE I e II), através do Art. 35º e seguintes do Código Fiscal do Investimento, possibilitou deduzir ao lucro tributável de IRC o valor das despesas com I&D (incluindo nas despesas elegíveis os custos com o registo, manutenção e aquisição de patentes) em pelo menos 32,5%, até um máximo de 82,5%.

A Patent Box estabeleceu um regime de dedução ao lucro tributável anual de determinada empresa equivalente a 85% dos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou a utilização temporária de Patentes, Desenhos Industriais e Licenças de Software.

A política fiscal seguida nesta matéria é considerada benéfica de forma consensual, na medida em que é palpável e fácil de perceber o seu contributo: é positivo para a competitividade e capacidade de (re)investimento das empresas abrangidas, tendencialmente inseridas, pelas suas características, em setores altamente competitivos e intensivos em capital. Este enquadramento fiscal favorece não só o desenvolvimento do tecido empresarial nacional, como a posição de Portugal como destino atrativo para o estabelecimento de sucursais de empresas estrangeiras ligadas a sectores da economia de alto valor acrescentado. A existência de incentivos fiscais ajuda, sim. Porém, a existência e funcionamento destes regimes benéficos são, muitas vezes, desconhecidos e os mesmos apresentam níveis muito baixos de aderência. De facto, a título de exemplo, e segundo dados da Autoridade Tributária, o regime da Patent Box é utilizado por menos de 1% das empresas tecnológicas possivelmente abrangidas.

Este tema não é, de todo, secundário. Um dos problemas crónicos e críticos de Portugal é o baixo nível de criação de riqueza do nosso tecido empresarial, assente em micro e pequenas empresas, tendencialmente a operar em atividades de baixo valor acrescentado, criando, consequentemente, postos de trabalho de baixa remuneração em comparação com os restantes países da União Europeia (UE27). Um claro sinal da chegada tardia e em escala insuficiente das sucessivas revoluções industriais e tecnológicas a Portugal.

A Propriedade Intelectual, e os ativos intangíveis associados, são um dos fatores determinantes para a competitividade das empresas de economias avançadas, explicando, em muitos casos, a falta de convergência dos níveis de riqueza criada entre diferentes países e as suas economias. De facto, a PI determina, muitas vezes, a posição de certa empresa na cadeia de valor em que desenvolve a sua atividade e, consequentemente, a sua produtividade e rentabilidade.

Para esse efeito, é totalmente diferente, por exemplo, deter as patentes associadas aos processos ou produtos relacionados com a produção de peças automóveis ou têxteis e calçado, os seus desenhos e as suas marcas, ou participar apenas na sua fase de manufatura. O valor acrescentado retido pelo nosso tecido empresarial, no último, é manifestamente inferior, ainda que obviamente relevante e importante para a nossa economia e criação de emprego.

Assim o comprova o já muito referenciado relatório do EPO (European Patent Office, 2022, para o período de 2017-2019), que alerta para a importância da criação e utilização de PI no tecido empresarial e economia da União Europeia. O estudo mostra que 47,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e 80,1% das exportações do mercado único (UE27) são contributo de indústrias intensivas em PI, representando 29,7% do emprego total. Significa isto que os sectores de atividade que utilizam patentes, marcas ou desenhos ou modelos industriais, entre outros direitos de PI, eram diretamente responsáveis por mais de 61 milhões de empregos na UE27.

Estes, face a indústrias não intensivas em utilização de direitos de PI, apresentam remunerações superiores, em média, em 40% e 65% quando se tratam de atividades relacionadas com Marcas e Patentes, respetivamente.

Portugal tem uma remuneração média anual dos trabalhadores de 29 808,6 €, comparada com 40 509,7 € na média dos países da UE27. Precisaria de um crescimento de 36% para convergir. Curiosamente, os dados do EPO mostram que a média salarial na generalidade das indústrias intensivas em utilização de direitos de PI na UE27 é 40,7% superior à média salarial das restantes.

Efetivamente, as empresas que utilizam Propriedade Intelectual de forma intensiva no seu processo produtivo, produtos ou serviços apresentam níveis de criação de riqueza bastante superiores às demais, criando empregos de alto valor-acrescentado com um premium assinalável na remuneração dos seus trabalhadores. Os incentivos à criação e utilização de know-how e direitos de PI são, por isso, da maior importância para o desenvolvimento económico nacional e convergência salarial com a EU 27.

Ainda que a política fiscal Portuguesa seja competitiva neste aspeto, alocando o Estado o equivalente a 0,30% do PIB a financiamento direto e apoio fiscal com I&D empresarial, a par de países como Canadá e Bélgica e comparado com a média dos países da OCDE de 0.22% (dados
de 2020, OCDE), apresentamos níveis de investimento em I&D em percentagem do PIB inferiores à média da UE27.

De facto, não deixando de reconhecer a tendência de crescimento dos últimos anos, a despesa total em I&D em Portugal situou-se apenas nos 1,71% do PIB em 2022 (face a 2021: 1,67%, Pordata), em comparação com cerca de 2,2% na UE27 e 2.7 % da OCDE (dados 2021, OCDE,
Eurostat).

O ‘’apenas’’ não pretende desvalorizar o caminho percorrido, o esforço e o trabalho das empresas, ensino superior, Estado e instituições privadas sem fins lucrativos ou das suas equipas; é somente uma referência ao facto de que para convergir em termos de tecido empresarial e criação de riqueza, vindo de baixo da média, é teoricamente necessário um investimento superior à média, o que ainda não está a acontecer. Provavelmente não será um desafio possível de solucionar com políticas fiscais, mas são, obviamente, bem-vindas.

Administrador da RCF